Porque duas pessoas do mesmo sexo não podem
casar-se
Rita Lobo Xavier
A instituição do casamento como
contrato entre um homem e uma mulher tem origem no
facto de a pessoa humana ser homem e mulher, com uma
inclinação sexual recíproca que é condição da
geração dos futuros membros da sociedade e da
continuidade da Humanidade. Os movimentos que estão
a apoiar as duas mulheres que ambicionam casar
querem fazer-nos acreditar que a Humanidade se
divide em heterossexuais e homossexuais e não entre
homens e mulheres, confundindo preferências sexuais
com identidade sexual
Desejava poder partilhar a minha
opinião num ambiente de autêntica liberdade, mas sei
que vou afrontar a intolerância dos que rotulam de
homofóbicos todos os que tentam explicar com
razoabilidade o carácter institucional do casamento
e a sua natureza. Contudo, é perfeitamente possível
reprovar a homofobia, respeitar as opções sobre a
vida afectiva e sexual de cada um e defender que o
casamento deve continuar a ser contraído apenas por
duas pessoas de sexo diferente, como é o meu caso.
Tenho além disso o máximo respeito pelas duas
senhoras que pretendem casar e espero sinceramente
que a exposição mediática não as prejudique.
Prestaram-se a ser um instrumento ao serviço de uma
estratégia política, muito dispendiosa, que, de
recurso em recurso, vai acabar numa acção contra o
Estado português no TEDH. É mais um passo num
percurso que já foi percorrido noutros países e está
descrito nos manuais. Quem acompanha estas questões
sabe da sequência aconselhada: primeiro, esvaziar o
conteúdo do casamento, minando a sua estabilidade de
maneira a poder dizer-se que já não é mais do que a
forma jurídica de uma relação afectiva; depois,
regular as uniões de facto, sob a bandeira da
liberdade, alegando que o amor não precisa de "papel
passado"; finalmente, tentar a equiparação das
uniões hetero e homossexuais. A partir do momento em
que se atinge esta fase da batalha política, nunca
mais se ouve falar das uniões de facto homossexuais.
E compreende-se: tudo não passava de um meio para
alcançar outros fins, as uniões de facto são um
ponto de passagem, uma forma de provocar a
banalização e o reconhecimento social das relações
entre pessoas do mesmo sexo. Lamento que, pelo
caminho, se atropelem algumas pessoas que mereciam
ter a protecção do Direito e que são continuamente
enganadas com uma lei que não serviu os seus
interesses e não serviu para nada senão para atingir
objectivos políticos.
Do que se trata é de leis, e a argumentação de
suporte à pretensão referida sustenta que existiria
uma inconstitucionalidade no facto de a lei civil
impedir o acesso ao casamento a duas pessoas do
mesmo sexo. A inconstitucionalidade residiria na
circunstância de a Constituição reconhecer que
"todos têm o direito de constituir família e de
contrair casamento em condições de plena igualdade",
pelo que a lei civil estaria a discriminar as
pessoas do mesmo sexo que queiram casar, o que,
aliás, é expressamente proibido pelo actual texto
constitucional, que impede a discriminação segundo a
orientação sexual. A argumentação é, além de
medíocre e falaciosa, pouco séria, pois qualquer
aluno Direito aprende no primeiro ano, não só o
significado do princípio da igualdade, como
imposição de tratamento igual para o que é
efectivamente igual, mas também que os direitos
fundamentais podem sofrer limitações, desde que
justificadas por critérios de necessidade, adequação
e proporcionalidade. Tal é o caso do direito de
casar, que é vedado a muitas pessoas, por exemplo,
por razões de idade, de parentesco ou de afinidade,
ou por causa da subsistência de vínculo anterior.
A argumentação utilizada, ao sublinhar a tutela dos
direitos individuais, pretende fazer-nos esquecer
que a regulação do casamento tem a ver com a
sociedade no seu conjunto e com a dimensão
institucional do casamento. Os indivíduos e os
grupos têm todo o direito de pretender combater a
instituição, como já fizeram antes, em nome das
uniões livres. Agora são os mesmos que desejam
estender o "jugo" do casamento às pessoas do mesmo
sexo. Eles não querem verdadeiramente reformar o
casamento. Querem destruí-lo.
A instituição do casamento como contrato entre um
homem e uma mulher tem origem no facto de a pessoa
humana ser homem e mulher, com uma inclinação sexual
recíproca que é condição da geração dos futuros
membros da sociedade e, consequentemente, da
continuidade da Humanidade. Estes movimentos que
estão a apoiar as duas mulheres que ambicionam casar
querem fazer-nos acreditar que a Humanidade se
divide em heterossexuais e homossexuais e não entre
homens e mulheres, confundindo preferências sexuais
com identidade sexual. Claro está que também existem
os bissexuais, que, para não serem discriminados,
deverão poder casar com mais duas pessoas de
diferente sexo, de forma a poderem ver respeitada as
suas preferências em cada dia. E parece que há ainda
os transgenders, as dragqueens, que eu, à luz do
dia, só tenho visto nas paradas, e que, nos filmes
do Almodovar, aparecem como infelizes homens que
vestem roupa e implantes de mulheres, utilizam em
relação a si próprios pronomes e concordâncias do
género feminino, mas não mudam de sexo, mantendo os
órgãos sexuais masculinos e uma preferência por
relações sexuais com homens.
Respeitem-se as preferências sexuais de cada um, sem
lesar o nosso direito à instituição do casamento.
Nesta questão não me importo de ser "conservadora".
Quero realmente conservar a instituição do
casamento. Quero invocar a garantia constitucional
que existe relativamente à instituição do casamento
e assegurar que os meus filhos poderão casar. Se for
preciso, usem-se os meios de tutela dos "interesses
difusos" ligados à permanência da instituição.
Professora de Direito da Família da Faculdade de
Direito da Universidade Católica-Porto