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Diário de Notícias -
6 Fev 06
Pensões e
irresponsabilidade política
Manuela Arcanjo
A reforma dos sistemas de segurança social entrou na agenda política da maioria
dos países europeus na década de 80. Desde logo se entendeu que o enquadramento
demográfico e económico que tinha proporcionado a forte mas controlada expansão
dos sistemas estava a mudar profundamente. Também desde logo se concluiu que o
envelhecimento demográfico afectaria mais fortemente os sistemas que tendo já
atingido a sua maturação dependiam fortemente das contribuições sociais geridas
em repartição.
No final dos anos 80 estava feito o diagnóstico. Teve então início um longo
processo de reformas de natureza e graduação diferentes. Quase todos os países
procuraram conciliar a contenção da despesa social - reforçada com os requisitos
UEM - com uma adequada protecção garantida pelo Estado.
É neste contexto que se deve analisar o sistema português, que, historicamente,
evoluiu em contraciclo com os restantes. Na década de 60, o apogeu do Estado- -Providência,
o nosso sistema garantia uma escassa protecção. No início dos anos 90, quando
outros já tinham ou estavam a iniciar processos de reforma, procedia-se ainda ao
seu aperfeiçoamento. Em 1997 (Livro Branco) ficou claro que Portugal não seria a
excepção europeia. Às determinantes demográfica e económica associavam-se as
especificidades do nosso sistema no que respeita às pensões, o regime
contributivo é, tecnicamente, dos mais generosos de toda a UEM, com uma taxa de
substituição bruta de 80%; a maturação do sistema será atingida por volta de
2015 quando os beneficiários que atingirem a idade legal de reforma terão
constituído uma carreira contributiva completa. Adicionalmente, outros aspectos
devem ser tidos em conta: nunca se promoveu a criação de verdadeiros regimes
profissionais complementares nem se garantiu um regime fiscal estável aos
instrumentos individuais de poupança; desde 1984, poucos foram os anos
económicos em que o (Orçamento do) Estado cumpriu as suas responsabilidades no
financiamento da despesa social; por último, insiste-se numa taxa contributiva
global quando cada vez mais se aconselha a sua partição (e actualização) por
tipo de risco.
A quem se deve a ausência de decisão? Aos beneficiários/contribuintes, que
asseguram - no contrato de gerações de um regime gerido em repartição - o
pagamento das pensões correntes mas que, em simultâneo, constituem os seus
direitos próprios? Aos pensionistas, que exigem um reforço de solidariedade por
terem trabalhado num país pobre sem uma cultura de protecção social? Ou à
incapacidade de sucessivos governos?
A reforma do sistema exige uma reflexão séria sobre as soluções possíveis. São
dispensáveis "ameaças" em nome da coragem política bem como as "soluções"
radicais defendidas por especialistas liberais ou defensores de interesses
específicos.
Professora do ISEG
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