A fórmula da "Prestação
Extraordinária de Combate à Pobreza
dos Idosos" altera as regras do
actual compromisso entre gerações
que sustenta a Segurança Social
No seu programa, o Governo
propunha-se atribuir uma "Prestação
Extraordinária de Combate à Pobreza
dos Idosos, por forma a que
finalmente nenhum pensionista tenha
que viver com um rendimento abaixo
de 300 euros". As condições em que
essa prestação será paga começaram
entretanto a ser conhecidas e, esta
semana, os primeiros pensionistas
foram chamados a preencher os
necessários papéis. Depararam
contudo com uma surpresa, omissa na
formulação da promessa eleitoral:
para poderem beneficiar da
"prestação extraordinária" é
necessário que não tenham filhos com
rendimentos superiores 21 mil euros
anuais.
Para além de se poder considerar
justo ou injusto este mecanismo - e,
para os que acreditam que a família
é uma célula base da sociedade e que
os filhos não devem esquecer os seus
pais, o princípio só pode ser
considerado justo -, a verdade é que
ele introduz uma novidade no nosso
sistema de segurança social. Até
agora, no sistema público, o
princípio da solidariedade entre
gerações era assegurado de forma
igual por e para todos: os
reformados recebiam de acordo com as
regras de cálculo da sua pensão, os
seus filhos (se trabalhadores
activos) contribuíam através dos
descontos para a Segurança Social e,
também, de uma parcela dos impostos
que pagam. Agora pede-se aos que já
descontam mais que ajudem a suportar
directamente o diferencial entre o
que os seus pais recebem e aquilo
que receberiam se ganhassem menos.
Não se trata propriamente de uma
dupla tributação, antes de um duplo
encargo cuja moralidade se entende,
mas que coloca um problema: uma boa
parte dos que hoje estão no activo
corre o risco de, quando se
reformar, encontrar os cofres da
Segurança Social vazios, pelo que os
mais avisados já estão a pagar
duplamente a sua reforma descontando
para o sistema público e
subscrevendo fundos de poupança
privados.
Os que hoje estão no mercado de
trabalho, sobretudo os que têm menos
de 40, 45 anos, integram aquilo que
poderíamos designar de "geração
sanduíche". Por um lado, o princípio
da solidariedade entre gerações
obriga-os a suportar as pensões dos
actuais reformados. Por outro lado,
quando se reformarem dificilmente a
relação entre activos e inactivos
permitirá que venham a auferir
pensões correspondentes ao que
descontaram na sua vida activa. A
única forma de compensarem este
diferencial é descontarem mais, para
os tais fundos privados.
Infelizmente a maior parte da
população não tem consciência desta
realidade e não poupa. Tal situação
deveria levar os governos não só a
realizarem a necessária pedagogia,
como a prepararem a evolução do
actual sistema em que a geração que
trabalha paga a geração que se
reformou para outro, de
capitalização, em que os
trabalhadores descontam para fundos
que, no futuro, lhes assegurarão ou
complementarão as pensões. Este
sistema de capitalização, que tem a
vantagem de estimular a poupança e
disponibilizar capitais que,
aplicados no mercado, estimulam o
crescimento económico, só tem como
alternativa fazer recair o peso do
pagamento das reformas sobre os que
pagam impostos, levando a uma
espiral de crescimento dos custos
sociais a suportar pelo Estado que
tem o efeito contrário de penalizar
o crescimento económico.
É por isso que, mesmo sem contestar
a bondade do princípio da
comparticipação das famílias, o
alcance desta alteração das regras
do jogo devia estar a ser explicado
aos portugueses. Mas não está:
aparentemente o Governo prefere que
passe despercebida esta ligeira
entorse ao seu compromisso
eleitoral.