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Público - 20 Fev 06
Última oportunidade?
António Nogueira Leite Os opinadores, tão severos com os dois ministros das
finanças da anterior maioria, rejubilam agora com a
obtenção de um défice que é aproximadamente o dobro
do máximo que deveria ser, ainda por cima num
contexto em que tal resultado se ficou a dever à
capacidade de cobrar receita e ao aumento de alguns
impostos
Portugal passou, numa década, de
exemplo de sucesso da integração de um país
periférico e pobre na União Europeia, para um caso
quase desesperado de país sem soluções, deprimido
por cinco anos de desempenho económico medíocre,
pela crise de algumas das suas mais importantes
instituições e pela descrença crescente da população
na sua classe política e, em concreto, na
incapacidade desta para governar com acerto e
compostura. A fuga de dois primeiros-ministros e o
afastamento compulsivo, ainda que constitucional e
profiláctico, do que se lhes seguiu, em nada
ajudaram. O actual governo encontrou, assim, um país
quase exangue, desiludido e carente de algo que lhe
pudesse devolver a esperança. Teve, por estas
razões, uma longo período de graça que, a despeito
dos recentes desaires eleitorais do partido que o
apoia, ainda se mantém, nomeadamente na imprensa e,
em particular, na hoje designada imprensa económica.
A leitura da nossa imprensa dita especializada em
temas económicos dá a ideia de que neste último ano
se deram passos absolutamente decisivos na resolução
do dificílimo problema das finanças públicas. Na
verdade, os opinadores, tão severos com os dois
ministros das finanças da anterior maioria,
rejubilam agora com a obtenção de um défice que é
aproximadamente o dobro do máximo que deveria ser,
ainda por cima num contexto em que tal resultado se
ficou a dever à capacidade de cobrar receita e ao
aumento de alguns impostos. Ou seja, a despeito de
ser inquestionável a existência de uma equipa
política nas finanças com elementos de reconhecida
capacidade o facto é que o problema das Finanças
Públicas portuguesas e, em particular, o da dinâmica
de crescimento insustentável da Despesa Pública
merece ainda tanta preocupação quanto há um ano.
É certo que o actual governo decidiu anunciar
medidas e intenções de medidas destinadas a combater
algumas das razões da evolução insustentável da
Despesa. É de louvar, até porque todos sabemos que é
profundamente impopular em certos meios e junto de
determinadas corporações que, nomeadamente, se tenha
decidido que todos os trabalhadores que entrem para
o sector público sejam integrados no regime geral da
segurança social, que a idade de reforma da Função
Pública passe gradualmente para os 65 anos, que se
tenha pugnado pela equiparação dos sistemas público
e privado na protecção da doença e ainda que se
tenha apontado o fim dos benefícios injustificados
de algumas corporações. Todavia, há que não perder
de vista o esforço subsequente de concretização e
aprofundamento das medidas já anunciadas ou
sugeridas. À suspensão dos automatismos nas
carreiras há que suceder, com a maior brevidade, um
novo plano de carreiras, progressões e incentivos,
há que efectivamente mudar muitos dos processos na
Administração Públicas, há que eliminar (mesmo)
serviços desnecessários, acabar com as sobreposições
de actuação aos mais variados níveis, etc.. Ou seja,
há que proceder com urgência e eficácia a uma
verdadeira reforma da Administração, que a modifique
estruturalmente e que, sobretudo, seja mais que a
concretização avulsa de alguns slogans ou a mera
correcção de antigos erros.
Há outras áreas em que as ameaças de novas políticas
são muitas, as sugestões de futuras medidas se
sucedem mas onde nada de relevante e palpável
aconteceu. O país agradecia que se percebesse de uma
vez como é que a segurança social vai ser reformada,
pois não basta ouvir membros do governo anunciar
que, se nada for feito, vai ser impossível
satisfazer as expectativas que hoje se têm quanto
aos direitos futuros. O país também tem o direito de
saber qual vai ser a política do Ministério da
Saúde, pois está farto dos balões de ensaio e
subsequentes trapalhadas mediáticas quanto ao(s)
sentido(s) das eventuais futuras reformas.
De qualquer forma, tem-se notado, numa sucessão de
episódios com algumas das mais poderosas
corporações, que finalmente vêm alguns dos seus
injustificados benefícios serem postos em causa, que
há finalmente um governo que, dispondo de uma
maioria estável, quer resolver (ou pelo menos
tentar) alguns dos estrangulamentos que estão na
base do triste estado de coisas a que Portugal
chegou. Há também, o que é extraordinário e
inesperado, uma redução dos tiques intervencionistas
e das confusões que tão desgastaram a governação de
direita na área económica. Tudo isto pode ser lido
como uma sucessão de sinais de esperança. Mas será
que chegam para eliminar este lento definhar a que
Portugal chegou?
Era bom que assim fosse, mas, infelizmente, não é
certo. Sem os instrumentos de estabilização
macroeconómica que com facilidade proporcionassem a
desvalorização real que, com rapidez, pudesse
despoletar um período de crescimento, a retoma vai
ser lenta e difícil. Sem políticas cambial e
monetária próprias e com a situação orçamental tão
problemática quanto é possível imaginar, só uma
impopular redução abrupta dos salários (como sugeriu
Olivier Blanchard e antes tinha proposto Fernando
Ulrich) ou uma descida violenta do preço de alguns
inputs poderia libertar o crescimento. Não me parece
que haja alguém neste ou noutro governo que se possa
imaginar a tomar, já e agora, tais medidas. Resta
pois esperar que alguns dos esforços já iniciados
comecem a produzir efeitos, que o governo leve a
cabo as reformas que tem anunciado ou sugerido e que
os portugueses estejam dispostos (e deverão estar,
até porque não há alternativa) a revelar-se tenazes
e a suportar um futuro próximo sem facilidades. Pelo
menos as condições políticas são irrepetíveis: um
primeiro-ministro determinado e dispondo de uma
maioria robusta e um presidente eleito que, como
ninguém, sabe o que é preciso fazer para devolver a
esperança a Portugal. Tenhamos fé... Economista
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