Expresso - 9 Fev 08
Um ano depois, a mesma esperança
Paulo Núncio e Gonçalo Maleitas Corrêa
A dedicação gratuita de cada vez mais pessoas no
apoio a mulheres em dificuldades garante que a
liberalização do aborto não é o fim da história.
Activistas da plataforma ‘Não Obrigada’ consideram
trágico o balanço da aplicação da lei mais liberal
da Europa em matéria de interrupção voluntária da
gravidez
Na Índia, um dos países do mundo onde mais se
aborta, um ateu e activista dos direitos humanos,
Lenin Raghavarshi, apoia e promove a campanha
lançada há umas semanas pelo jornalista italiano
Giuliano Ferrara (ex-líder do Partido Comunista em
Turim) por uma ‘Moratória de Abortos’ a nível
global. Em Espanha, Zapatero, presidente de um
Governo socialista e anticlerical, insta os seus
camaradas de partido a fazerem uma reflexão sobre a
lei do aborto para determinar se é necessário
proceder a alterações restritivas. Em Inglaterra,
Lorraine Allard, de 33 anos, escolhe dar a vida pelo
seu filho Liam: grávida e doente de cancro, ante a
perspectiva de um tratamento de quimioterapia e a
sugestão dos médicos de abortar, Lorraine defende o
seu filho até ao fim: Liam nasceu a 18 de Novembro
de 2007; Lorraine acabou por morrer a 18 de Janeiro
de 2008. Em três bastiões do aborto livre, três
sinais de que o aborto não é solução. E em Portugal?
Recordemos a impressionante resposta da campanha do
‘Não’. Sem o apoio de partidos, apenas com os meios
que os cidadãos quiseram dar, numa mobilização da
sociedade civil inédita no Portugal contemporâneo,
plena de intensidade, compromisso, envolvimento e
comoção - porque “já bate um coração”. Um rasgo de
vida numa sociedade que parece adormecida, um
exemplo para outros domínios, um sinal de esperança.
Esta resposta não deveria ser subestimada. Nos
últimos anos, as modernas ideologias laicas,
apoiadas nos «opinion makers» e nos arautos do
politicamente correcto, têm-se multiplicado em
acções de sentido contrário. Subjugada face à
ascendência do pensamento único, seria de esperar
uma sociedade vencida e indiferente. Mas a
experiência elementar de comoção pela vida humana, a
experiência de um bem, revelou-se mais forte do que
muitos imaginavam.
O balanço da aplicação da lei mais liberal da Europa
é trágico: mais de doze mil vidas humanas
sacrificadas, com a conivência e o dinheiro do
Estado, sem contar com os abortos ilegais de que não
há evidência de redução. Este drama, silencioso e
oculto, ceifa vidas, destrói famílias, corrói a
sociedade e ataca os alicerces da paz entre os
homens. Quanto tempo, quantas gerações, teremos nós
ainda de esperar para que na Europa, berço da
liberdade e da defesa dos direitos do homem, se
comemore o Dia Europeu da Abolição do Aborto?
E, contudo, um ano depois o tempo é de esperança. A
dedicação gratuita de cada vez mais pessoas no apoio
quotidiano a mulheres em dificuldade é hoje uma
garantia de que a liberalização do aborto não é o
fim da história.
Na onda do individualismo egoísta que inunda as
sociedades modernas, dar a vida por um pai, por uma
mãe, por um amigo, ou até mesmo por um filho, é
considerado uma excentricidade ou, quando muito, um
heroísmo arcaico e anacrónico. No seu gesto, com a
simplicidade e doçura que brotam de uma maternidade
plena, Lorraine mostrou-nos o caminho: a vida existe
para ser dada, não para ser tirada.