Expresso - 27 de Janeiro

Histórias permitidas de polícias e crianças à porta da escola 

Rui Duarte Silva 

A agente Teresa Teixeira corre a cidade para ajudar a vigilância nas escolas. Ela é o ar simpático de uma polícia diferente

UM DIA, o João (nome fictício), de 11 anos de idade, foi apanhado com um canivete na escola. Alvoroço geral - arma branca à vista. O conselho directivo chamou a polícia, esta chamou a mãe da criança. Ela confessou ter dado o canivete ao filho. Destinava-se a cortar um pedaço de chouriço ou de morcela, quando os havia, que João metia num pão para matar a fome.

De arma do (potencial) crime passou a denúncia de uma realidade social: a pobreza. Foi essa situação que ela relatou ao subchefe Josué, 46 anos de idade, da 12ª esquadra da PSP, à rua de Cedofeita. Ele é o responsável, no Norte, de uma das associações socioprofissionais da polícia, a APP.

«Reuni com o conselho directivo e expliquei a situação, que era desconhecida. Propus que passassem a dar o almoço gratuitamente à criança», diz ele. Assim se fez e o apoio foi até maior: quando sobrava comida, o João levava o jantar para casa.

Noutro ponto não muito distante da cidade, o agente Joel Amado (nome mais de artista do que de autoridade policial) chega à porta da escola Infante D. Henrique. Noutros tempos era poiso de «insurras» que lhe davam mau nome.

Os jovens saem a correr e cumprimentam afectuosamente o agente Joel: «Está bom, senhor guarda?» Fica a sensação de se estar a ver o filme ao contrário, mas trata-se de uma novela da vida real: Joel é mesmo amado pelas crianças que longe de verem nele o homem que «chiba» encontram um inesperado amigo.

Assim se evitou, há menos de um ano, um confronto entre alunos de duas escolas, aprazado por negócios de saias. Era para ser entre o Infante e a Clara de Resende. Alguns alunos avisaram o guarda Amado do que se passava e a PSP tomou precauções que impediram a refrega de consequências imprevisíveis que nestas coisas de mulheres (novas que sejam) o sangue ferve de orgulho.

Entretanto, a caminho da escola Irene Lisboa, à Damião de Góis, segue o agente Sousa, de «scooter». Fazer ronda de motorizada é a grande e recente novidade do programa «Escola Segura», criado há alguns anos para a vigilância de estabelecimentos de ensino por equipas policiais fixas para garantir segurança de alunos, professores, pessoal e instalações. O agente Sousa sai da esquadra de Cedofeita a tempo do intervalo das 16h15. Sobe à Praça da República e vira junto ao Hospital da Lapa por uma rua que conduz directamente à Irene Lisboa. Desce da motorizada e conversa com crianças que vão saindo depois do porteiro Antero ter visto a autorização por escrito dos pais. Quem não tiver permissão não sai.

«É muito raro ter qualquer tipo de problema. Já nos conhecemos há muito tempo e tenho uma boa relação com os alunos. O que mais faço é pedir-lhes que não se pendurem nas grades ao longo da escola ou que não se concentrem na escadaria dos prédios em frente para os moradores poderem sair à vontade», diz, exemplificando. Dirige-se a quatro jovens sentadas nas escadas de um prédio. Mal o vêem levantam-se, passam e cumprimentam-no.

«As dificuldades que mais se nos deparam são furtos, ameaças a alunos e professores, injúrias, ofensas corporais», diz Teresa Teixeira, uma cara simpática que dá aos estudantes uma visão bem diferente de uma polícia de outras eras. Desloca-se numa viatura da PSP onde está escrito «Escola Segura». Teresa tem funções específicas: desloca-se em apoio a qualquer ponto da 2ª Divisão, que vai de Cedofeita à Foz e Circunvalação e - imagine-se! - a Santo Tirso e Ermesinde.

Locais de risco

Ela reconhece que as zonas mais complicadas são os bairros sociais onde os problemas se agudizam. A vigilância policial, contudo, afasta das proximidades dos estabelecimentos de ensino passadores de droga e intrusos.

«A grande questão - diz o subchefe Josué - é a falta de gente. Podemos impedir que os alunos sejam assaltados à porta da escola mas não uma ou duas ruas depois».

Teresa elabora relatórios mensais onde deixa sempre a mesma nota: as autoridades escolares têm de prestar mais atenção à segurança.

«É um trabalho importante: é necessária jovialidade, boas relações com a comunidade escolar, interesse e devoção pelo projecto, bom-senso e cultura geral profissional razoáveis», refere o intendente Paulo Pereira, comandante da 2ª Divisão, na Coronel Pacheco.

O subchefe Josué diz sentir esse interesse há muito tempo. Confessa-se duro na repressão do crime e amigo das crianças e jovens. O conhecimento que deles tem permitiu-lhe acompanhar recentemente uma manifestação de três mil alunos apenas com mais dois agentes - «sem problemas». E já advogou, com sucesso, a causa de dois jovens muito jovens quando teve de explicar aos respectivos pais que iam ser avós em breve. «Hoje ela é médica no S.João e ele engenheiro», recorda.
 

[anterior]