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Público - 28 Jan 03
Desnorte Rodoviário
Por GRAÇA FRANCO
Destaque:
Em vez de multas que não se cobram e são fonte de corrupção, e das apreensões de
carta para as infracções muito graves (que poderão manter-se, caso o Estado
acredite na sua utilidade...), sugiro como medida adicional a
simples apreensão dos veículos
Em Coimbra temos hoje cirurgiões tão bons e os mesmos meios que em Chicago. É
bom ouvir isto e confiar. Fui percebê-lo "in loco" e feliz deixo a cidade, que,
no dia seguinte, vai vestir-se de Capital Nacional da Cultura, na quinta-feira
ao princípio da noite. Às vezes, este país parece-nos civilizado, desenvolvido e
moderno. Dá para esquecer o défice, que afinal ficará nos 2,6 por cento (um
limite europeu !). Penso nisto, enquanto me preparo para entrar no auto-estrada
contando com umas boas duas horas de viagem até Lisboa porque o meu condutor
jamais excederá um limite de velocidade! Pego no telemóvel e ligo para a rádio
para combinar o dia seguinte. Conversa ligeira, até que, de repente, vejo um
monstro gigantesco a avançar sobre nós. Vem seguramente a muito mais de cento e
vinte... e o nosso monovolume, a entrar na via com a maior das prudências,
parece de repente perdido, frágil e minúsculo. Sentimos que escapámos por um
triz!
Interrompo a conversa para balbuciar... "Que horror! acho que íamos agora mesmo
morrendo!" Do outro lado da linha perguntam-me: "Como?" E eu sem pinga de sangue
e sem perceber ainda bem o que aconteceu repito apenas... "Íamos morrendo!
Perdeste esta notícia em directo!"
O monstro não fez sinais de luzes, não buzinou, acho mesmo que nem sequer nos
viu! É um enorme tijolo articulado e continua impávido a afastar-se à mesma
velocidade com que se aproximou. Parece um TIR, é absolutamente gigantesco e
está cada vez mais longe e envolto na penumbra. Fixo-lhe a traseira na esperança
de lhe encontrar em letras garrafais um número detelefone para exercer o meu
direito à indignação... mas não existe. Por cá, são raros os veículos que o
exibem. Vi um, pela primeira vez em Agosto deste ano, e nessa altura pensei
mesmo que a moda chegara finalmente a Portugal, mas não voltei a ver mais
nenhum!
Nos Estados Unidos, esses telefones afixados são comuns. Já o eram nos finais
dos anos 80, quando lá vivi numa aldeiazinha ao pé de Fort Lee, perdida a umas
dezenas de quilómetros de Richmond no estado da Virgínia. Nessa altura,
habituei-me a ver os ditos números de telefone em letras garrafais nas traseiras
dos camiões de longo curso ou de simples veículos comerciais. Diziam
simplesmente: "Se a minha condução não for prudente ligue para..." E lá vinha o
numerozinho.. Muitas vezes, brinquei com aquele exemplo máximo de um país de "queixinhas"
e contestei a utilidade daquele enorme "big brother" dos patrões...
Percebi depois que era questão de exercício puro de civismo e tinha como reverso
da medalha uma substancial redução das multas suportadas pelas firmas de
transporte. Com o atraso normal, a moda deveria ter chegado cá uns dez anos
depois... mas ainda não pegou. Vá se lá saber porquê! A alternativa caseira era
ligar o 112... e avisar a brigada de trânsito. Mas será que alguém acredita que
isso teria algum efeito? Passei o resto da viagem a
recuperar do susto e a imaginar medidas que pudessem por cobro a este desnorte
rodoviário.
Garanto que todas elas teriam forte impacte na redução do défice, ou seja o
mesmo conteúdo economicista que justificou o criminoso recuo na taxa de
alcoolemia. Só por isso não resisto a expor a mais radical.
Em vez de multas que não se cobram e são fonte de corrupção, e das apreensões de
carta para as infracções muito graves (que poderão manter-se, caso o Estado
acredite na sua utilidade...), sugiro como medida adicional a
simples apreensão dos veículos.
A medida tem pelo menos três vertentes interessantes: poupava no custo da frota
do Estado e melhorava substancialmente a gama; dinamizaria a economia com a
entrada reguladora do Estado no mercado dos usados (na linha da recente entrada
em força do sector público no imobiliário) e permitiria um substancial aumento
das compras de veículos novos, com os correspondentes aumentos das receitas de
IA. A Autoeuropa teria aqui um novo mercado em crescimento... Pelo que a ideia
poderia interessar ainda à jovem Agência Portuguesa para o Investimento.
A medida seria ainda justa do ponto de vista social, porque o transgressor rico
pagaria com Ferraris, que depois podem ser distribuídos por gabinetes
ministeriais, gestores públicos e congéneres, enquanto os pobres pagariam apenas
as infracções cometidas com Fiat Unos, Ford Fiestas, etc...
Os Mercedes e BMW mais resistentes poderiam ser canalizados directamente para a
polícia, evitando algumas cenas de perseguição mais caricatas, enquanto as
empresas de transportes de passageiros poderiam ainda fornecer autocarros topo
de gama, que dariam imenso jeito para as escolas fazerem as respectivas visitas
de estudo, os TIR e restantes poderiam ser simplesmente vendidos em hasta
pública...
Garanto que num percurso de duas horas, do estilo Coimbra-Lisboa, e a avaliar
pela minha última viagem, o Estado obteria no mínimo um autocarro de passageiros
(que nos ultrapassou a toda a brida e que perdemos de vista em escassos
minutos...) o dito TIR, vários camiões e pelo menos dois Mercedes em bom estado
e de cor discreta, que serviriam muito bem para a PJ.
No fim-de-semana dou comigo a ler a crónica de Inês Pedrosa sobre a sentença do
condutor que matou uma menina de cinco anos... e levou dois anos de cadeia com
três de pena suspensa... e no DN
Magazine de novo o crime ao volante, com os testemunhos do David tetraplégico e
de três meninos de treze, de dez e de quatro anos, que ficaram sem a mãe. Penso
nos meus cinco... e no horror de poderem ter ficado quinta-feira sem pais,
esmagados por aquele enorme tijolo.
E como a loucura rodoviária não é um exclusivo nacional, deixo também a sugestão
do senhor Berlusconi que esta semana, depois de mais dois fins-de-semana
trágicos nas estradas italianas, anunciou a revisão do Código da Estrada dos
actuais 240 artigos e 480 regulamentos explicativos, para qualquer coisa como
meia centena de artigos em linguagem que "toda a gente entenda e para fazer
cumprir".
Pornocompetitivos
Já sabíamos que os autores do Big Brother se tinham desculpado na Europa sobre
as limitações impostas ao voyeurismo na casa, em certos países, por "não estarem
em Portugal" .
Mas se dúvidas restassem sobre a nossa especificidade, bastava ler ontem a
entrevista ao "JN" de Chatherine Breillart onde, sob o título de "um olhar
feminino sobre a obscenidade", a realizadora nos dá conta da rodagem por cá da
sua última obra, "Anatomia do Inferno". Aí é estrela um tal Rocco Sifredi, que
afirma em título, no mesmo jornal, ainda não estar preparado para "deixar o
porno"! Depois de 200 títulos "hard" e de uma única passagem pelas salas de
cinema "convencional" em "Romance", o último filme escabroso da mesma
realizadora onde se celebrizou pelas abundantes cenas de sexo explícito.
Breillart está encantada com Portugal, porque filmar aqui "é muito mais barato
do que em França" (já sabíamos!) e como faz um cinema " bastante radical" (onde
a próxima obra promete chocar ainda mais...) é "mais fácil fazê-lo aqui longe de
críticas e preconceitos". "Estou bem mais tranquila aqui!", remata. Nós já
suspeitávamos que tínhamos enorme vantagem competitiva neste novo e crescente
segmento do disparate, onde qualquer candidato a ratinho bombástico se torna
ratazana com a maior tranquilidade. O dr. Carlos Tavares terá de somar mais este
factor às nossas 17 vantagens competitivas. Somos, pelo menos, pornocompetitivos!
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