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Jornal de Notícias - 28 Jan 03
O IRS penaliza a família
Luísa Anacoreta Correia, economista e professora universitária
É reconhecido como um problema económico e social o envelhecimento da população.
Apesar do IRS poder ser usado como um instrumento de atenuação dessa tendência,
a verdade é que o Estado português não o tem encarado como tal. Os efeitos no
pagamento de imposto actualmente previstos no Código do IRS relativos ao
crescimento do agregado familiar são de tal forma insignificantes que levam a
concluir que o sistema fiscal até penaliza o crescimento da família.
Suponha-se o seguinte caso: um agregado familiar com rendimento mensal
tributável de 2500 euros e com encargos por dependente de 200 euros mensais, dos
quais 50% a título de despesas de educação. O rendimento líquido deste agregado
evolui conforme o gráfico acima apresentado.
Como se verifica, a tendência de queda no rendimento líquido não é acompanhada
por uma tendência de queda tão acentuada no IRS. Com efeito, a quebra no IRS
efectivamente suportado pelo agregado é mais elevada no primeiro filho, do que
nos seguintes, obrigando os contribuintes a concluir que o primeiro filho vale
mais para o Estado que qualquer outro.
Esta tendência verifica-se porque:
- das despesas que a família suporta apenas algumas (saúde, educação e seguros
de doença) podem originar dedução ao IRS crescente com o número de filhos;
- os limites impostos para determinadas despesas além de baixos, não são
aplicados de forma consistente (este aspecto leva frequentemente a que as
despesas de educação com o segundo filho não cheguem a ser consideradas
fiscalmente);
- despesas como alimentação, vestuário, ajuda ao domicílio, água e luz, higiene
e limpeza estão supostamente abarcadas pelas deduções forfetárias (globais), as
quais assumem em 2002 os valores anuais de 174 euros por cada membro do casal e
139,2 euros por cada dependente!
Encarando a família como unidade económica geradora de benefícios para a
sociedade, seria de esperar que o IRS fosse compensando a quebra dorendimento
líquido per capita. Mas, a verdade é que tal não acontece. A partir do quarto
filho, o IRS devido é mais alto que o rendimento líquido per capita!
Levar em consideração o número de elementos que compõe o agregado familiar pode
reflectir-se a vários níveis, desde a definição da unidade fiscal, ao
estabelecimento de deduções ao rendimento ajustadas aos gastos reais, à forma de
determinação do escalão de taxa e à definição de deduções à colecta de imposto.
Em Portugal optou-se por recorrer ao sistema de tributação conjunta dos
cônjuges, elegendo-se como unidade fiscal o agregado familiar. Esta opção leva a
definir um mecanismo que permita diluir os efeitos da progressividade das taxas
por forma a que a tributação da família não fique prejudicada em relação à
tributação de sujeitos passivos solteiros. No Luxemburgo, por exemplo, o
legislador prevê escalões de taxas distintos para a tributação de rendimentos
conjuntos e separados. Em França, optou-se pelo sistema de divisão do rendimento
com base num coeficiente familiar. O legislador português adoptou o sistema de
coeficiente conjugal, ou seja, para efeitos de determinação da taxa divide-se
por dois os rendimentos da família e, após aplicar a taxa resultante a metade
dos rendimentos, volta-se a multiplicar por dois para chegar à colecta de IRS.
Esta é uma das áreas em que o Estado poderia actuar significativamente
contemplando fiscalmente a família. A solução poderia ser, à semelhança da opção
francesa, definir um coeficiente que resultasse do número de elementos que
constituem o agregado familiar e não apenas o casal.
Repare-se que o efeito da aplicação do coeficiente familiar será tanto mais
notório quanto mais alto for o escalão de rendimentos do agregado. A solução não
vem, então, resolver todos os problemas, pelo menos quando estão em causa
agregados com baixos rendimentos. Ela faz sentido, se se pretender incentivar o
crescimento de famílias com rendimentos médios e altos. A medida deverá ser
acompanhada de nova definição e actualização dos limites
de dedução de gastos reais suportados com a fonte produtora de benefícios
económicos que é a unidade familiar.
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