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Diário de Notícias - 27 Jan 03
Comissão independente contra abusos de menores
MARTIM SILVA
O PSD vai apresentar no Parlamento um projecto de lei que visa a criação de uma
instância independente exterior ao Governo, eleita pela Assembleia da República,
de controlo e inspecção das instituições sociais que lidam com crianças em
risco, idosos ou deficientes, como é o caso da Casa Pia.
A ideia de se avançar com uma alteração legislativa nesta matéria partiu da
deputada social-democrata Assunção Esteves, que preside à Comissão Parlamentar
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e já teve o
consentimento da liderança do grupo parlamentar laranja, indo em breve tomar a
forma de projecto de lei. Uma iniciativa que, graças à maioria parlamentar
formada por PSD e CDS/PP, tem aprovação garantida.
A ideia da criação de um organismo autónomo do Estado (não dependente do
Governo) surgiu a Assunção Esteves depois das audições realizadas em Dezembro no
Parlamento, na comissão que lidera, aos antigos secretários de Estado que nas
últimas duas décadas tutelaram a Casa Pia. «Esta nova geometria de controlo
soma-se ao controlo e inspecção do ministério da tutela, que já existe, e que no
caso da pedofilia na Casa Pia falhou». É que os abusos na Casa Pia terão
ocorrido ao longo de muitos anos, sem que os sucessivos governos se tivessem
apercebido ou feito alguma coisa. O «não me lembro» ou o «não sei» foram
respostas muito ouvidas nas referidas audições.
Na sequência dos escândalos revelados nos últimos tempos, os partidos com
assento no Parlamento, incluindo o PSD, já se mostraram abertos a rever a
legislação penal, de forma a aumentar as penas para os crimes relacionados com
abusos sexuais de menores e alargar os prazos de prescrição desses crimes. Mas,
para Assunção Esteves, estas soluções não chegam. «O problema exige uma
estratégia particular de controlo das instituições de internamento com relações
de um marcado grau de dependência», como são as que lidam, nomeadamente, «com
idosos, jovens em risco e deficientes». Assim, «não é suficiente o controlo de
cima para baixo» (exercido pelo Governo). «O aparelho de Estado não é
suficiente, é preciso uma comissão independente, com membros nomeados pela AR, e
que tenha poder de inspecção efectivo».
Quem deve fazer parte desta comissão independente é algo que ainda está em
estudo. Assunção Esteves dá como exemplos membros destacados da sociedade civil
ou das associações de família.
O projecto de lei ainda está em fase de elaboração, com a deputada a contactar
com especialistas na matéria, e, depois disso, ainda terá de ser submetido à
aprovação do grupo parlamentar.
MAIS INICIATIVAS. Os crimes sexuais revelados com casos como os da Casa Pia e da
Casa do Gaiato levaram os partidos a prometer acção. PSD e PS acordaram avançar
na alteração da moldura penal para crimes relacionados com abusos sexuais de
menores, nomeadamente prevendo o alargamento dos prazos de prescrição e aumento
de penas.
Mas as iniciativas que estão a ser pensadas não devem ficar por aqui. Ao que
apurou o DN junto de fontes da maioria, estarão neste momento a ser estudadas
possíveis alterações relacionadas com o fim da possibilidade de serem
apresentadas providências cautelares quando se trate de decisões de encerramento
de instituições deste género; ou ainda, a possibilidade de ser revista a moldura
dos processos disciplinares, de forma a que não se possa «suspender uma
suspensão» em casos graves. Como foi o caso do funcionário da Casa Pia Bibi,
suspenso e depois reintegrado.
«MOBILIZAR A SOCIEDADE. Isso é que é importante», afirma, voltando-se para trás
e interrompendo o passo apressado, Maria da Assunção Andrade Esteves, no final
da conversa com o DN. Chegou ao Parlamento há oito meses, eleita nas listas do
PSD, e preside à todo-poderosa Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias, onde passa o grosso dos diplomas e assuntos
com maior relevância política.
Mas não se julgue que aos 46 anos Assunção Esteves é uma novata nas lides da
política. Pertence à Comissão Nacional de Jurisdição do PSD (o «tribunal» do
partido) mas já foi da Comissão Política Nacional social-democrata. E durante
perto de uma década, entre o final dos anos 80 e dos anos 90, foi
juíza-conselheira do Tribunal Constitucional.
Nesta sua passagem pelo Parlamento tem assumido uma posição interventiva, mas
discreta. Ao conversar com o DN, revela o sobressalto sentido com a
«monstruosidade» dos crimes de pedofilia que vieram a lume nos últimos
tempos. E daí a necessidade de mostrar que o trabalho no Parlamento,
nomeadamente as várias audições feitas, «não foi em vão»
[anterior]
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