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Diário de Notícias - 27 Jan 03
Financiamento do ensino superior é simples e barato
Fernando Branco
Tem-se falado de forma crescente nas questões do financiamento do ensino
superior público. Neste debate surge, naturalmente, o assunto das propinas,
formando-se um consenso, cada vez mais alargado, de que a situação actual é
incorrecta e injusta. Discutem-se soluções. Apontam-se alternativas. Penso porém
que tudo surgiria mais claro se estabelecêssemos um quadro de análise simples.
A decisão de estudar pode ser analisada como qualquer outra decisão económica.
Ao estudar cada pessoa ganha conhecimentos e competências que colocará em
prática ao longo da sua vida, com benefícios para si e para a sociedade. Por
outro lado, para que alguns possam estudar, é necessário utilizar recursos:
fazer escolas e equipá-las, formar e contratar professores. Estes representam os
custos da decisão. Olhando para o problema deste modo, a decisão de estudar é
realmente uma decisão de investimento: incorre-se em custos numa primeira fase,
para mais tarde se recolherem os benefícios.
Tomando como referência quem recebe os benefícios, os investimentos podem ser
classificados de sociais, se é a sociedade em geral que deles beneficia (por
exemplo o serviço do 112), ou privados, se o beneficiário é uma pessoa ou
entidade que o realiza (por exemplo a aquisição de uma máquina por uma empresa).
Naturalmente, a maioria dos investimentos têm, em grau variável, ambas as
dimensões.
A distinção porém tem consequências, quer ao nível de quem deve ter o poder de
tomar a decisão, quer ao nível de quem deve suportar os custos da decisão.
Podemos aplicar estes princípios na educação. Só teremos de avaliar o peso
relativo da dimensão social e privada deste investimento. Existem inúmeros
estudos sobre esta questão. As conclusões apontam para que enquanto no ensino
básico e secundário domina a dimensão de investimento social (é essencialmente a
sociedade como um todo que beneficia de os seus cidadãos terem tal nível de
educação), no ensino superior domina a dimensão de investimento privado (quem
completa estudos superiores consegue apropriar-se dos benefícios daí
decorrentes, tendo, em média, salários muito mais elevados). Consequentemente, o
ensino básico e secundário deve ser obrigatório e os seus custos em larga medida
assumidos pelo Estado, mas a decisão de avançar para o ensino superior deve ser
de cada estudante, suportando os custos inerentes.
Mas como fazer isso se os alunos e suas famílias não tiverem condições para
pagar os estudos superiores? A resposta é simples. Criem-se mecanismos que
permitam que os estudantes tenha acesso a meios para financiar os seus estudos
superiores, comprometendo-se a pagá-los posteriormente. A solução natural seria
a do envolvimento do sistema financeiro. Se há crédito à habitação, podia haver
crédito ao ensino. Porém, se tal ainda for politicamente difícil, o próprio
Estado poderia ter um papel. Poderíamos ter cada aluno a pagar a propina que
consiga, competindo ao Estado pagar o restante, mas constituindo-se assim uma
dívida do aluno para com Estado. Esta seria saldada após terminados os estudos,
durante um certo número de anos, e com pagamentos que poderiam ser ligados aos
rendimentos que fossem auferidos.
Percebe-se assim que alguns dos detalhes recentemente suscitados, como bolsas de
mérito ou propinas mais altas para quem reprove, são laterais senão mesmo
irrelevantes para a discussão. Não há nenhum motivo que justifique a atribuição
de bolsas de mérito pelo Estado; essas serão dadas mais tarde na forma de
salários mais altos auferidos pelos que revelem o mérito. Por outro lado, quem
reprovar, terá obviamente custos acrescidos: pagará propinas durante mais tempo
e começará a trabalhar mais tarde.
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