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Expresso - 25 Jan 03
TV desafia Governo e juízes
Ana Isabel Abrunhosa e Rosa Pedroso Lima, com Carla Tomás e Mafalda Ganhão
Depois do «Bombástico» na SIC é a vez da TVI avançar com julgamentos em directo.
Os juízes estão preocupados e prometem agir
A ALTA Autoridade para a Comunicação Social (AACS) e os juízes estão de
«prevenção» aos programas de televisão que marcam a nova grelha dos operadores
privados. Impedidos de agirem por antecipação, resta-lhes esperar para ver e
preparar as sanções. Em causa pode estar o crime de difamação agravada a órgãos
de soberania e ofensas aos tribunais. As penas vão de multas até 15 mil euros a
prisão até nove meses, para apresentadores, produtores e directores da SIC e da
TVI.
A reacção dos juízes e dos membros da Alta Autoridade surgiu nesta semana, oito
dias depois de a SIC ter lançado o programa «Bombástico», onde o apresentador
José Carlos Soares criticou uma sentença do tribunal, que fez questão de
amachucar e deitar para o chão perante as câmaras, num gesto que pretendia
demonstrar a ineficácia da Justiça. Os magistrados reagiram de imediato, dado o
«excesso e o achincalhamento» com que o assunto foi tratado. Para o presidente
da Associação dos Juízes, Ferreira Girão, o caso é mesmo passível de
processo-crime por estar em causa uma «ofensa ao bom nome da instituição dos
tribunais e dos juízes que proferiram a sentença», afirma. Assim, já foi
solicitado o visionamento das cassetes para prosseguir com a queixa judicial.
O problema, no entanto, tende a agravar-se. Já hoje, a TVI avança com uma outra
estreia que vai incidir sobre a mesma área da Justiça. «Eu confesso»,
apresentado por Júlia Pinheiro, promete confrontar criminosos, como Vitor Jorge
e Faustino Cavaco com as suas vítimas, numa espécie de reencenação do julgamento
passado. A juntar a este programa, surge ainda na próxima terça-feira, na SIC, a
estreia de Carlos Cruz em «O Crime não Compensa», onde ex-condenados são
convidados para, em estúdio, reflectirem sobre a sentença que lhes foi aplicada
e até clamarem pela sua inocência. Este formato televisivo alterna com um outro,
também a cargo de Carlos Cruz, e que foi para o ar esta semana. Chama-se
«Rumores e Boatos» e traz à antena casos de personalidades públicas que foram
alvo de boatos sobre as suas vidas privadas.
Ministro intervém
As novidades televisivas levaram o ministro da tutela a pedir uma intervenção da
entidade que regula a Comunicação Social. O presidente da AACS garante que, um
dia antes da chamada de atenção de Morais Sarmento, o caso do «Bombástico» já
tinha sido analisado. «O assunto foi entregue a um relator», disse Torres Paulo,
prometendo uma decisão para «breve». Na prática, porém, a actuação desta
entidade é limitada à aplicação de uma multa máxima de 15 mil euros, um valor
irrisório quando se trata de uma estação que gere milhões. Uma acção preventiva
é mesmo «impossível» de acordo com os estatutos.
O Conselho Superior da Magistratura, que reúne juízes e juristas indicados pelo
Parlamento e pelo Presidente da República, já marcou um plenário extraordinário
para a próxima terça-feira. Também aqui foi solicitada à SIC a cassete dos
programas emitidos, atitude tomada igualmente pelo bastonário da Ordem dos
Advogados, que aproveitou a sua ligação pessoal ao presidente da estação de
Carnaxide para lhe escrever uma carta, pedindo que evite «apelos à justiça
privada, que põem em causa o Estado de Direito». José Miguel Júdice garante
estar «atento» à concorrência feita pela TVI e promete escrever, também, a
Miguel Paes do Amaral, se novos excessos forem cometidos por aquela operadora.
Para as estações privadas, as novas apostas, porém, estão a resultar. A estreia
de Carlos Cruz teve uma quota de audiência de 28,8 pontos e o «Bombástico»
avançou para os 29,6%. O «reality-show» da TVI - «Vidas Reais», que simula um
mini-tribunal de espectadores que «julgam» pequenas histórias encenadas - é
ainda recordista, com audiências a ultrapassarem os 40%.
Perante as críticas e a ameaça de sanções, Manuel Fonseca, director de Programas
da SIC não desarma. «O Governo classifica como violentos programas de televisão
em que, afinal, os cidadãos denunciam casos de negligência, públicos e
manifestos», afirma em comunicado enviado para a Lusa. E aproveita mesmo para
realçar a contribuição da televisão privada para «o amadurecimento da democracia
em Portugal, e para a libertação da sociedade civil de paternalismos sobre o
direito à liberdade de expressão».
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