Caro Dr. António Barreto
Não tenho o prazer de o conhecer pessoalmente, mas tal não me inibe
de o tratar por "caro", uma vez que sempre habituou os
portugueses, onde me incluo, a uma opinião clara, ajuizada e
fundamentada.
Escrevo-lhe apenas porque fui surpreendido por um artigo seu no
jornal "Público" de 15 de Julho (http://jornal.publico.pt/publico/2001/07/15/ASemana/ORET.html),
em flagrante contraste com o comportamento a que nos habituou.
Faz, nesse artigo, imensas considerações acerca de um encontro
promovido pelo Instituto Francisco Sá Carneiro para reflexão sobre
Política Familiar, encontro esse onde não esteve presente, mas que
não o impediu de aproveitar para emitir uma série de opiniões contra
o que acha que foi lá tratado.
Sendo a APFN uma Associação apartidária, não me compete defender
o Instituto e muito menos o Dr. Durão Barroso.
No entanto, como Presidente da Direcção da Associação Portuguesa
de Famílias Numerosas e como interveniente nessa reflexão, não posso
deixar de comentar:
1 - Chama demagogos, ignorantes e racistas a todos quantos se
preocupam com a família e a natalidade. Portanto, para si, não é
preocupante haver uma carência de 50.000 nascimentos por ano? Não é
preocupante o Estado estar a gastar cada vez mais dinheiro a tentar
contrariar, sem sucesso, os efeitos da degradação da família, ao
mesmo tempo que se recusa a aplicar uma política familiar em termos?
Também pertencem ao seu conjunto de "demagogos, ignorantes e
racistas" todos os casais que não se ficaram pelo filho único
neste país que vê as famílias numerosas como uma ameaça à
sobrevivência nacional e que, como tal, de uma forma anti-demagógica,
anti-ignorante e anti-racista tudo faz para lhe dificultar o seu
dia-a-dia?
2 - O Governo publicou, com grande "pompa e circunstância"
a Resolução de Conselho de Ministros 7/99, há quase dois anos e meio,
tendo feito quase nada desde essa altura. Não é preocupante? É que,
caro Dr. António Barreto, não é com declarações e Resoluções de
Conselho de Ministros a favor da família e da natalidade que
"isto" melhora. O grande problema em Portugal é que se fazem
declarações e, depois, continua tudo na mesma. Basta ver o código do
IRS! Um espectáculo, totalmente em oposição ao estabelecido na
"tal" RCM! Afinal, quem são os "demagogos, ignorantes e
racistas"? Os que clamam pela existência de uma política familiar
ou os que escrevem o que querem, mas são incapazes de o por em
prática?
3 - Todos os países ocidentais, à excepção de Portugal, têm
vindo a criar medidas positivas de reforço da família, preocupados com
os resultados de medidas demagógicas adoptadas no passado. Por isso,
vê-se países a aumentarem os abonos de família e as deduções ao IRS,
valorizando a função familiar, inclusivamente criando órgãos
governamentais para apoio à família.
Na sua opinião, são todos demagogos, ignorantes e racistas?
Caro Dr. António Barreto: o que é que o leva a pensar que todos os
países ocidentais estão errados e que Portugal é que está certo ao
continuar a não adoptar essas medidas?
4 - Nesse encontro, nenhuma intervenção foi feita contra a
imigração. Pelo contrário, vários manifestaram-se contra as
condições degradantes em que se está a fazer. O que é que o levou a
pensar, e, pior, a escrever, que "estou convencido de que nestas
políticas há uma boa dose de racismo"? Portugal sempre "deu
cartas" como sociedade multirracial, e não é pelo facto de haver
franjas racistas que transforma o país em racista. Posso, desde já,
aproveitar para referir que a APFN está totalmente aberta à
inscrição de sócios de várias origens, mesmo que sejam, de facto,
estrangeiros, tendo mesmo vindo a estabelecer relações de amizade e
cooperação com associações de apoio a imigrantes. Mas isto não nos
impede de considerar pouco inteligente tentar-se resolver a falta de
natalidade à custa da imigração.
Pelo contrário, terá que haver sempre uma cuidada e responsável
política familiar dirigida tanto aos imigrantes como aos
"indígenas".
5 - No seu depoimento, mistura demografia com Igreja. Como
associação não-confessional, também não compete à APFN defender a
Igreja. Mas, com franqueza! Porque é que, à falta de argumentos, o
faz? O problema das famílias é problema da Igreja? Não acha que é do
Estado? Lá por odiar a Igreja, tem que ser contra "Política
familiar"?
6 - O que é que o levou a concluir que "Alguém julga que uma
mulher ou um casal façam filhos por 10 contos por mês?". Já se
experimentou isso em Portugal? É evidente que ninguém "faz
filhos" por 10 contos por mês, mas se o abono de família tivesse
alguma semelhança com esse valor, e outras das medidas que enumera (e
que defendemos) existissem, conforme proclamado na tal RCM, é natural
que muitos casais tivessem mais filhos! Porque é que não se
experimenta, até porque Portugal parece ser um país que gosta de fazer
experiências até com coisas que outros têm a maior das reservas?
7 - Caro Dr. António Barreto: compreende-se, perfeitamente, que este
problema não o aflija, uma vez que o Ministério do Trabalho e da
Solidariedade está a procurar rever as reformas só para aqueles que a
atingirem daqui a 15 anos. Portanto, tanto você como outras pessoas com
mais de 50 anos podem, à vontade, considerar demagogos, ignorantes e
racistas os que, mais novos, estão mesmo preocupados com a falência do
sistema.
Mas, para que não sejam acusados de ignorantes e hipócritas, não
podem, simplesmente, "disfarçar" e manter-se em silêncio,
numa atitude discreta, não vá alguém lembrar-se de também aplicar a
necessária austeridade nas reformas aos "maiores de 50"?
Aliás, não são eles os primeiros responsáveis do estado a que se
chegou?
Concordará, com certeza, comigo, que o problema da falta de
natalidade resolvia-se num ano se as reformas fossem indexadas ao
número de filhos... Não é isso que a APFN defende, mas seria, com
certeza, uma medida justa e eficaz!
8 - Caro Dr. António Barreto: Depois de desancar no Dr. Durão
Barroso, na Igreja, e em todos quantos defendem a existência de uma
política familiar, termina com "É possível que, dentro de dez ou
mais anos, a natalidade portuguesa deixe de declinar ou estagnar e
cresça de modo a aproximar-se das taxas europeias do Norte, bem mais
altas. É não só possível, como, graças à imigração, provável.
Para isso, todavia, as "políticas natalistas" da Guterres e
Barroso não terão dado qualquer contributo. A fórmula bíblica deixou
de fazer sentido e foi substituída por um dilema: "cresçam ou
multipliquem-se". E os portugueses querem crescer."!
Não podia rematar de melhor maneira!
Como é que chega a uma conclusão destas, verdadeiro golpe de
prestidigitação? É uma questão de fé? Fé em quê e porquê?
Pessoalmente, não tenho dúvidas que a taxa de natalidade irá
aumentar dentro de dez ou quinze anos. Mas isso só acontecerá porque
os portugueses vão, inevitavelmente, perceber que não podem crescer
sem se multiplicarem, à semelhança do que até a ONU já percebeu. E,
que, como a UNICEF e o Parlamento Europeu recentemente concluíram,
"a família é a unidade fundamental da sociedade e detém a
principal responsabilidade pela protecção, educação e
desenvolvimento das crianças".
É que, nessa altura, os portugueses já terão deixado de dar
ouvidos aos "maiores de 50 anos" e passarão a estar mais
preocupados com o seu futuro, que passa, inevitavelmente, pela sua
família e pela família dos outros. Tal e qual já se preocupam com os
linces da serra da Malcata, os lobos-marinhos das Desertas, os golfinhos
do Sado e as cegonhas.
Cumprimentos
Fernando Castro
Presidente da Direcção
Telem: 917 219 197
e-mail: apfn@netcabo.pt
http://www.apfn.loveslife.com
PS: Poderá consultar a RCM 7/99 no nosso site, em