Público - 2 de Junho

Contrato Entre Concorrentes e Endemol Levanta Dúvidas 
Por CATARINA GOMES E SOFIA RODRIGUES

Juristas apontam abusos

Depois de assinar o contrato com a Endemol, os concorrentes do Big Brother ficam sem quaisquer direitos de privacidade, de imagem, de direitos de autor, até Dezembro deste ano 

O contrato assinado entre os concorrentes do Big Brother e a TVI pode conter cláusulas nulas ou que, pelo menos, levantam dúvidas. A cedência de todos e quaisquer direitos ou a sua irrevogabilidade é discutível, segundo alguns juristas contactados pelo PÚBLICO. Dúvidas que levam também a Alta- Autoridade para a Comunicação Social a pedir pareceres jurídicos sobre os termos do contrato, no âmbito do processo que abriu contra a TVI pela exibição do Big Brother. 

O contrato - cujo texto integral foi ontem revelado pelo "Tal & Qual" - é dado a assinar pela Endemol (a produtora do programa) a todos os concorrentes que participam no Big Brother e impõe não só as regras dentro da casa, como a remuneração, os direitos de autor e a exploração da imagem dos participantes no programa. E exige disponibilidade total até 31 de Dezembro deste ano. 

Para Pedro Biscaia, advogado e membro da comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados, um contrato onde os concorrentes "cedem todos os quaisquer direitos" "desvirtua princípios que fundam a própria pessoa: o direito à imagem, à privacidade, à dignidade. Abdicam do ser individual, de toda a autonomia". Na opinião do jurista, o legislador deve intervir e regulamentar estas situações, porque considera que são direitos "irrenunciáveis": "Estamos a dizer que é lícito a pessoa abdicar de princípios." "Há limites", diz, acrescentando que são fenómenos sociais novos que devem ser estudados e "não deve haver liberdade contratual tão expressa". 

Por outro lado, considera, por exemplo, que a cláusula onde se excluem responsabilidades por danos causados "é duvidosa". A empresa está a isentar-se de responsabilidades, quando, mesmo não havendo intenção, toda a situação do programa que é por ela criada e certas circunstâncias que são fomentadas, para chamar público, podem, por si só, deixar sequelas. 

Para Francisco Teixeira da Mota, especialista em direito da comunicação, a única cláusula que se pode considerar nula é a que se refere à transmissão de imagens e sons a partir da casa que tem de ser autorizada de forma "expressa, incondicional e irrevogável". "As pessoas são livres de dispor da sua privacidade, mas não me parece que o possam fazer irrevogavelmente", afirmou. É que, adianta, "estão em causa direitos e valores relacionados com a intimidade e privacidade, sobre os quais a pessoa pode voltar atrás, desde que possa indemnizar a outra parte pelos prejuízos causados". De uma forma global, o jurista sublinha a disponibilidade brutal que o contrato exige dos concorrentes, numa espécie de "escravatura legal". 

Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade só é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública, diz o Código Civil (artigo 81º), quando prevê "a limitação voluntária dos direitos de personalidade". Para Daniel Reis, jurista que trabalha na área do direito dos "media" num escritório lisboeta, no contrato entre a Endemol e os concorrentes do Big Brother, esta norma não é violada. Considera que existe um consentimento informado - o concorrente sabe que vão ser violados os direitos à privacidade, à imagem, que vai ceder direitos patrimoniais durante um ano. 

Embora juridicamente não lhe aponte falhas, não deixa de referir que o contrato "é muito pesado" para o concorrente, porque deixa a Endemol como muitos direitos "a nível financeiro e de controlo", mas não apresenta nada de ilegal. "Este tipo de contrato foi elaborado com cuidado" e inclui mesmo uma cláusula "não muito vulgar em contratos em Portugal": onde se lê "tempo para reflectir sobre a matéria", fica assente o dia em que o documento foi entregue ao concorrente e que foi alertado para se aconselhar legalmente antes de o assinar. "É mais uma forma de a Endemol se proteger." 

No que pode ser "discutível", refere a exoneração de responsabilidades da Endemol, caso haja "danos morais, físicos e materiais" "que possam ter resultado da participação no programa". Aqui fica dito que, mesmo que alguém fique com problemas mentais ou aconteça "algo de muito extremo" devido ao programa, o concorrente não tem o direito de processar a Endemol. 

Mas uma coisa "é o contrato, outra é a realidade do programa". Admite que o comportamento do produtor do programa poderá dar azo a responsabilidade, se, por exemplo, se humilhar piscologicamente o concorrente; tem é que haver essa intenção explícita. 

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