Diário de Notícias - 23 Jun 03

Não há dois sem três
João César das Neves

Pela primeira vez na História de Portugal temos dois ministérios da Educação. Se considerarmos a catástrofe que um único fez ao longo dos anos ficamos com uma ideia do que nos espera. Mas esta maneira de ver as coisas é maldosa. Com dois ministérios ganha-se âmbito, alcance, flexibilidade. É mesmo possível experimentar políticas diferentes ao mesmo tempo no mesmo tema. Não que o anterior ministério único, no meio do seu disparate e confusão, evitasse repetidas contradições. Mas agora o contraste pode ser assumido como oficial. E, dado que estamos em Portugal, é fácil compreender que é isso mesmo que se está a passar.

No tema central da educação, os dois ministérios estão a seguir linhas políticas diametralmente opostas. O que significa que, estando em contradição, um dos dois estará necessariamente certo. Isso traz boas notícias: pela primeira vez na História de Portugal vai haver um bom Ministério da Educação.

Mas o que é «um bom Ministério da Educação»? Aristóteles dizia que, para se saber se uma coisa é boa ou má, é preciso saber para que serve. Então para que é que serve um Ministério da Educação? Dou-lhe uns segundos para pensar na resposta...

Já pensou? Se escolheu qualquer coisa como «educar as gerações mais novas», «contribuir para elevar o nível cultural da população», «garantir serviços básicos de educação», está completamente errado. Isso é do que falam os ministros. Os ministérios, pelo contrário, servem para outra coisa: ocupar professores. As Finanças pagam-lhes os ordenados, mas depois é preciso que eles façam qualquer coisa. Para isso há o Ministério da Educação.

Ora é precisamente neste ponto que os dois ministérios seguem linhas opostas. O Ministério do Ensino Superior corta vagas e elimina cursos, enquanto o Ministério da Educação estende o ensino obrigatório ao 12.º ano. Por que razão há esta oposição?

O ministério das universidades argumenta que não tem estudantes. Mas o que é que isto tem a ver com o caso? Quem é que se interessa com os estudantes? O importante mesmo são os lugares para os professores. Por que é que esse ministério não põe os olhos no seu colega da Educação? Este, confrontado com uma queda ainda maior no número de estudantes, resolveu o problema de forma brilhante.

Alargar o ensino obrigatório do 9.º para o 12.º ano é uma medida que não tem nada a ver com os estudantes. Não se destina a aumentar os conhecimentos dos jovens ou a melhorar as suas capacidades. Nunca houve em Portugal um único cidadão que aprendesse o que quer que fosse de útil nos três anos do ensino secundário. Quem vai logo trabalhar percebe que o 9.º ano ter-lhe-ia chegado perfeitamente e quem vai para a universidade gasta aí os primeiros tempos a emendar o que aprendeu no secundário.

Mas estes anos, cheios de dezenas de cadeiras abstrusas, inúteis mas detalhadas, são preciosos na ocupação de professores. Por isso, a imposição da obrigatoriedade vai criar muitos mais lugares para docentes, funcionários, inspectores, burocratas e directores. Os jovens são obrigados a perder três anos da vida sem necessidade. Mas as estatísticas da Educação melhoram muito.

No entanto, a contradição dentro do mesmo Governo na mesma área não deixa de criar problemas. Há porém uma forma excelente de, não só eliminar a dificuldade, mas de fazer ainda mais lugares para professores. Criar um terceiro Ministério da Educação.

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