Diário de
Notícias
- 12 Jun 05
"Preparemo--nos para a guerra"
Elsa costa e silva
francisco mangas
Que delinquência juvenil temos em Portugal?
Ainda não são gangs, mas são grupos organizados. O que é mais
preocupante é que são grupos em idades jovens, quase crianças. Recordo esse
grupo do Cacém, que penso chamar-se Jovens Rebeldes do Cacém - os JRK, esse
K que surge como símbolo de identidade. São jovens que não têm modelos de
identidade, nem junto dos professores, nem da família. Procuram eles
próprios criar uma identidade. São crianças 8, 9, 10 anos. Sabiam disso? Por
outro lado, esses grupos de jovens com comportamentos agressivos usam uma
violência desproporcionada relativamente aos actos que pretendem. Podiam
conseguir o mesmo com menos violência. Há um recrudescimento da violência e
não é só em Portugal.
Como explicar estes fenómenos?
Isto inscreve-se numa lógica predatória o roubo, o furto. Aquilo a que o
investigador francês Philippe Robert chamou de núcleo central da segurança.
Esta predação tem uma finalidade: o consumo de bens de prestígio social,
como roupa de marca, telemóveis, etc. Quem está no poder, pode pensar que
são bagatelas. Mas não é verdade: é o que gera insegurança nos cidadãos e o
cidadão tem o direito a esse novo bem que é a segurança. Toda a nova forma
de criminalidade ordinária tem a ver com os novos modos de vida, marcados
pelo consumo.
Estes grupos não podem ainda ser classificados como gangs?
Mas vamos chegar lá. Lisboa primeiro que o Porto repare naquela linha de
Sintra. Há guetos que se vão formando, há territórios que poderão tornar-se
espaços fechados, em que dificilmente o controlo social poderá entrar. Isso
é muito perigoso e deveríamos prevenir. Preparemo-nos para a guerra.
Como se previne?
Mais uma vez estudando. Intervindo com base nos estudos, compreendendo os
fenómenos, as razões, as causas, interpretando os processos. É essencial
compreender os problemas do desenraizamento cultural. Estamos a viver um
momento equivalente ao que se viveu na América dos anos 30, em Chicago, que
deu origem a uma importante escola de criminologia. A Escola de Chicago
mostrou como se pode constituir uma carreira desviante através de processos
de estigmatização, de guetização. Temos de evitar que populações se guetizem,
temos de evitar a marginalização social.
Como?
Aí é a intervenção a nível da exclusão social, como a Câmara do Porto está a
fazer e bem. É por aí que podemos agir. Evitando que haja populações que se
possam sentir marginalizadas, criando uma melhor coesão social. Vivemos em
sociedades fragmentadas. Tem que haver medidas políticas públicas que
promovam a coesão da sociedade.
A Escola de Criminologia do Porto tem estudado o fenómeno da delinquência
juvenil?
Uma das linhas de estudo da Escola passa por criar um dispositivo de
observação da criminalidade e insegurança que, de modo permanente, faça o
registo dos fenómenos. Temos isso no Porto e procuramos, sem sucesso, criar
um observatório semelhante a nível nacional. Tal como um sismógrafo, este
dispositivo não permite prever que haja um sismo ou um terramoto, mas
permite construir elementos que têm uma finalidade.
Não é possível prever, mas será possível prevenir.
Exactamente. Poderemos actuar no sentido da prevenção. Depois, de montar um
sismógrafo da criminalidade, teremos de fazer estudos que procurem explicar
ou interpretar o que nos acontece. Isso passa por outro tipo de
instrumentos, que estamos a desenvolver no Porto a nível da delinquência
juvenil. Porque há fenómenos novos.
Cândido Agra
Criminologista