Na América, há 10 anos que deixou de ser controverso
afirmar que existe uma forte correlação entre erosão
da família e aumento da pobreza. A notícia está a
chegar à Europa
Duas revistas publicadas na última semana trouxeram
em capa e abriram a edição com uma referência à
família. Uma delas é caseira - ‘Nova Cidadania’ - e
o título ‘O Estado em guerra contra a família?’
(nº32, Abril/Junho) produziu ondas de sarcasmo
habitual: lá vêm os conservadores do costume. Outra,
porém, é estrangeira e de indisputada reputação
liberal: ‘The Economist’, de Londres. O artigo
‘America’s marriage gap’ tem chamada de capa e abre
a edição de 26 de Maio-1 de Junho.
O artigo de ‘Nova Cidadania’ é uma recensão de André
Azevedo Alves (mestre pelo Instituto de Estudos
Políticos da Universidade Católica e doutorando na
London School of Economics) a um livro recente do
Institute of Economic Affairs de Londres: ‘The War
Between the State and the Family’, de Patrícia
Morgan. Ele dá sobretudo conta de três fenómenos
interligados: a erosão da família biparental em
Inglaterra ao longo das últimas décadas; a
estrondosa correlação entre famílias monoparentais e
pobreza, sobretudo das crianças; e, finalmente, a
sucessão de políticas públicas antifamília
biparental, com caricato culminar na sua fortíssima
penalização fiscal.
O artigo de ‘The Economist’ refere-se a um país em
que este assunto já foi abertamente discutido há 10
anos - a América. Por essa razão, deixou de ser
sequer controverso afirmar que existe uma forte
correlação entre erosão da família e aumento da
pobreza. Toda a gente viu os números e acabou por
aceitá-los. Isso está a gerar um incrível movimento
espontâneo de inversão da tendência anterior: o
casamento sobe e os divórcios descem entre os jovens
que frequentam a universidade; entre os que não
frequentam, prolonga-se a tendência anterior.
Acontece que “uma larga maioria - 92% - das crianças
cujas famílias ganham mais de 75 mil dólares por ano
vivem com os dois pais (incluindo padrastos). Na
base da escala de rendimentos - famílias com menos
de 15 mil dólares por ano - apenas 20% das crianças
vivem com dois pais” (pág. 21). Este «marriage gap»
(o título de capa) pode ser hoje o factor principal
da crescente desigualdade de rendimentos na América.
A acreditar na experiência passada, as coisas
começam na América e dez anos depois chegam à
Europa. Os dois artigos citados ilustram isso mesmo.
Não se trata de adivinhar o futuro. Basta ter
abertura intelectual para olhar os factos e aceitar
ser desafiado por eles. Em termos de reputação, é um
bocado incómodo. Mas a alternativa é tremendamente
aborrecida.