Ciência Hoje - 27 Jun 08

 

Em defesa dos exames nacionais
Carlos Corrêa *
* Professor catedrático (jubilado) de Química da Universidade do Porto

 

Desde há alguns anos que se têm feito ouvir vozes conceituadas sobre a necessidade de serem reintroduzidos exames no ensino básico e secundário, mas os vários ministérios da Educação têm feito ouvidos de mercador aos fortes argumentos que repetidamente vêm sendo apresentados.

 

Pode perguntar-se, então, se valerá a pena voltar a trazer a público um assunto tão bem defendido por alguns (de que destaco o artigo do Dr. Desidério Murcho, de Setembro de 2006, intitulado “Exames nacionais e sucesso escolar no ensino básico e secundário”, http://criticanarede.com/ens_exames.html) sem que o Ministério da Educação tenha alguma vez sido capaz de rebater os argumentos apresentados, preferindo deixar o sistema em constante degradação. Apesar disto, temos obrigação de insistir no assunto até que “a voz nos doa”…

 

Sem que se tivesse entendido a razão, os exames no ensino básico e secundário foram abolidos no tempo do ministro Fraústo da Silva, numa altura em que a convulsão revolucionária tinha praticamente terminado e nada fazia prever esta medida julgada “progressista” por alguns. Tem-se tornado claro que a falta de exames nacionais é uma causa importante na má preparação dos nossos alunos (que vem à superfície sempre que se fazem “exames a brincar”).

 

As medidas do ministro David Justino em relação ao regime opcional a nível dos 10º e 11º anos de Física, Química e Biologia, fortemente criticadas por várias individualidades e sociedades científicas, estão já ter as suas previsíveis consequências a nível do actual primeiro ano do ensino superior, em que se nota uma inacreditável ignorância dos alunos que ingressaram nos cursos de Química e de Bioquímica e, certamente, nos outros cursos também.

 

A relutância dos vários ministérios na reintrodução dos exames ncionais nos finais de ciclo dos ensino básico e secundário pode ter causas de duas origens:

 

a) Razões economicistas

 

Os exames custam dinheiro e acarretam mais trabalho para as escolas. O actual ministério acrescentaria o inconveniente ridículo de que os exames baixam o “sucesso escolar estatístico” e aumentam o número de repetentes que tão caros ficam ao Estado!

 

Esta lógica economicista levaria a acabar com os julgamentos porque estes aumentam o número de presos, que tanto custam ao Estado! No outro extremo da situação, os comportamentos passíveis de multa não deveriam acabar, porque diminuem as receitas do Estado! As pessoas deveriam continuar a fumar, pois daí resultam avultadas verbas para o Estado…

 

b) Razões ideológicas

 

Defende-se que a avaliação deve ser feita de um modo natural e contínuo, ao longo do ano, na sala de aula, em vez de tentar avaliar todo o trabalho do aluno num simples exame de uma ou duas horas. Esta meta poderia dar frutos numa sociedade perfeita, com alunos e professores ideais, mas é comprovadamente irrealizável na maioria dos casos.

 

Foi uma ideia que floresceu durante o PREC, muitas vezes resultante de um mero oportunismo traduzido nas passagens administrativas encapotadas. Nessa época tentei construir um aparelho, o “estupidómetro” que se encostasse à cabeça do aluno e se medisse, numa escala digital, o seu grau de conhecimentos na disciplina.

 

Retarda-se o “choque psicológico” do exame até ao momento em que o ex-aluno se vê perante o “exame” de um entrevistador para acesso a um posto de trabalho e perante inúmeros “exames” que terá de enfrentar pela vida fora. A ginástica, tanto física como psicológica, fortalece o corpo e o espírito para os combates da vida prática. Os jovens devem ser treinados para enfrentar este “mundo cão” sob o risco de perecerem perante as primeiras contrariedades do mundo real.

 

Vantagens dos exames

 

O argumento de que os exames diminuem o sucesso escolar é ridículo. É equivalente a dizer que a vigilância da GNR nas estradas (exame do comportamento dos automobilistas) diminui o bom comportamento dos cidadãos, aumentando as infracções! As coisas passam-se exactamente ao contrário.

 

Se se deseja aumentar o sucesso escolar, e não o “sucesso escolar estatístico”, os alunos e professores devem saber que o exame se destina a avaliar o que os alunos aprenderam (que tem de resultar, em especial, do seu esforço) e o que os professores ensinaram. Com exames, os alunos trabalharão mais, o seu comportamento na escola melhorará (haverá mais respeito pelos professores, que serão encarados como amigos que os ajudam a vencer o obstáculo do exame) .

 

Se se pretender introduzir na avaliação dos professores o sucesso escolar dos alunos (medido a nível nacional e uniforme, com as necessárias correcções para situações especiais), desaparecem os riscos de empolamento das notas e resultados quando tudo se passa hermeticamente na sala de aula. Incluir na avaliação dos professores o aproveitamento escolar dos seus alunos no sistema de ensino actual é uma pressão descarada no sentido de se aumentar o “sucesso escolar estatístico”.

 

A divulgação pelo ministério do custo de formação de um aluno teve o objectivo de mostrar o que se vai buscar ao bolso do contribuinte que, assim, aceitará melhor a ideia peregrina de poupar dinheiro acabando com os repetentes (que tão caros ficam…) No aspecto economicista, se o ministério quer poupar dinheiro e, simultaneamente, aumentar o sucesso escolar poderia adoptar ideias mais inteligentes.

 

Sem qualquer intenção de fazer humor, entendo que poderia optar pelo seguinte procedimento:
- Reintroduzia os exames nacionais no fim de cada ciclo;
- Todos os alunos seriam aprovados, não havendo repetentes;
- Os que tivessem obtido classificações de 10 a 20 (escala de 0 a 20) seriam aprovados com a nota obtida, que constaria nos seus diplomas e certificados;
- Os que não tivessem obtido nota positiva não seriam retidos, transitariam de ano, ou de ciclo, mas a classificação seria “Aprovado sem nota” ou “Aprovado administrativamente”, que constaria nos seus diplomas e certificados.

 

Este sistema faria com que os alunos e os pais se interessassem mais por atingir um objectivo positivo para o futuro ingresso no mundo do trabalho ou no ensino superior.

 

Em resumo, poupava-se dinheiro, as estatísticas do número de “Aprovados” atingiam o topo da escala e o verdadeiro sucesso escolar, aquele que se traduz pelas capacidades adquiridas pelos alunos, aumentava.

 

Note-se que esta análise não se estendeu às outras causas do insucesso escolar, nomeadamente aos programas completamente irrealistas e desajustados às necessidades da sociedade e das instituições de ensino superior e a manuais escolares sem qualidade científica, embora se encha a boca com a sigla CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), muito bem traduzida pela colega Palmira Silva como Construção Total de uma Sociedade de Analfabetos.