‘Carta aberta aos pais portugueses’
WILLIAM Coulson é investigador em
Etnopsicologia. Durante 17 anos foi consultor para as questões
das Dimensões Humanas do Programa de Educação Médica da
Universidade de Georgetown, nos EUA. Com doutoramentos em
Filosofia e em Aconselhamento Psicológico, Coulson foi
investigador associado de Carl Rogers. Em conjunto escreveram 17
volumes sobre psicologia e educação humanística. Neste artigo,
Coulson conta que as suas teorias e de Rogers ganharam adeptos
entre os técnicos de educação da SIECUS, um grupo que desenvolve
os currículos de educação sexual enviados às delegações
nacionais da IPPF (órgão internacional que reúne as associações
de planeamento para a família). Coulson dedica hoje o seu tempo
a falar a católicos e protestantes sobre os efeitos nefastos das
suas teorias. Esteve em Portugal em Novembro, a alertar para os
materiais de educação sexual portugueses que diz serem baseados
nas filosofias que agora rejeita.
O MEU nome é William Coulson. Doutorei-me em
Psicologia e Filosofia e, nos anos 60 e 70, fui colaborador
muito próximo de Carl Rogers, o psicólogo americano de fama
mundial. É conhecido que nós os dois coordenámos a edição de uma
série de 17 livros promovendo uma nova técnica da psicologia
chamada «Clarificação de Valores». O nosso objectivo era
aumentar o bem-estar e a auto-estima das crianças, mas o que
realmente aconteceu foi algo completamente diferente. A dada
altura, desenvolvemos um currículo de educação sexual baseado
nos jogos de clarificação de valores, o que incluía actividades
em que as crianças eram convidadas a falar abertamente sobre
sentimentos e desejos de natureza sexual.
Experimentámos esta nova técnica nas escolas
dirigidas pela ordem do Imaculado Coração, na Califórnia. No
início da experiência, a ordem tinha 58 escolas e 600 freiras.
Em 2002, a BBC exibiu um documentário sobre a nossa experiência
e o balanço que fazia era este: «O efeito da experiência foi um
verdadeiro cataclismo. Em menos de um ano, 300 freiras - metade
do convento - pediram ao Vaticano para serem dispensadas dos
seus votos e, seis meses depois, o convento fechou as portas.
Tudo o que restou foi um pequeno grupo de freiras… que se
tornaram lésbicas radicais». Se o efeito sobre adultos é este,
qualquer pessoa pode imaginar qual o efeito sobre crianças. Eu
poderia dar-lhes muitos dados e contar-lhes muitas histórias. A
título de exemplo, conto a história da Carolyn (não é o seu
verdadeiro nome), uma aluna que no sexto ano seguiu um programa
de clarificação de valores. Carolyn aprendeu a tomar decisões
autónomas sobre todo o tipo de coisas, incluindo algumas
matérias sobre as quais ela não devia sequer pensar e muito
menos ter a possibilidade de experimentar. Tal como os outros
alunos dos programas de clarificação de valores, ela aprendeu a
fazer escolhas autónomas e sinceras no seu quadro próprio de
valores. Como disse um dos seus colegas no funeral, Carolyn
acabou por se convencer que só poderia estar segura de que as
suas decisões eram autónomas caso fizesse aquilo que os adultos
lhe diziam para não fazer. Acabou por achar que o maior prazer
da vida era fazer o que as pessoas proíbem. Como resultado
disso, num certo dia de Março, saiu da escola num intervalo com
um colega e o seu tio passador de droga. Nas margens de um rio,
tomou droga, foi violada e depois lançada ao rio. O corpo da
criança encantadora e inteligente (ela era a chefe de turma) só
apareceu três semanas depois.
Para nós, desde a experiência nas escolas das
freiras, era evidente que a nossa técnica psicológica não era
boa nem para as crianças nem para os adultos. Ficou claro que
tínhamos desenvolvido um instrumento perigoso para a saúde dos
jovens, que em vez de os enriquecer os destruía. Essa não era a
nossa intenção, mas foi o que aconteceu. Infelizmente, as nossas
teorias (ou uma versão delas, ainda mais extrema, promovida por
Louis Raths) tornaram-se muito populares entre os técnicos de
educação sexual da SIECUS, um grupo americano que desenvolve
currículos de educação sexual que depois são espalhados pelo
mundo inteiro pelas delegações nacionais de uma organização
chamada IPPF.
Em 1983, num dos seus livros, Carl Rogers
descreveu as nossas experiências como um «padrão de
fracasso». Contudo, depois da sua morte, o editor (que
publica livros para professores e alunos de ciências da
educação) reeditou o livro removendo todas as referências ao
«padrão de fracasso».
Parte deste padrão é o muro de silêncio que
se constrói em torno dos seus resultados trágicos. Ainda assim,
tanto hoje como então (embora não tão frequentemente quanto
deveria), a realidade por vezes vem à tona. Em 1998, o «The New
York Times» publicou um artigo intitulado «EUA
acordam para uma epidemia de doenças sexuais». Nesse artigo,
a dr.ª Judith Wasserheit, especialista em doenças sexualmente
transmissíveis (DST) e ex-directora da Divisão de Prevenção de
DST do US Center for Disease Control, disse ao «Times» que
aquilo que se está a passar nos EUA é um «desastre
nacional». Disse ainda que «a maioria dos
americanos nem sequer tem consciência de que está perante uma
epidemia».
Na realidade,, lentamente vai crescendo a
consciência relativamente a esse facto. E talvez, bem mais cedo
do que podem pensar, os portugueses descubram que algo de
semelhante se está a passar com os seus filhos. Em Novembro de
2004, estive em Portugal a estudar os materiais de educação
sexual enviados para as escolas em 2000. Fiquei aterrado. Talvez
não haja em todo o mundo um currículo mais influenciado pelas
ideias que eu e Carl Rogers testámos nos anos 60. Escrevo, pois,
esta carta como um apelo. Eu sei o que vai acontecer às crianças
de Portugal caso se apliquem nas escolas actividades baseadas
nos jogos de clarificação de valores. Estou certo de que vocês
gostam muito dos vossos filhos. Por isso (e se me é permitido
falar com emoção): retirem das escolas esse modelo de educação
sexual. Amanhã será tarde demais. Eu ajudei a criar o monstro.
Por favor, ajudem-me a matá-lo.
Califórnia, 20 de Maio de 2005