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Público - 31 Mar 03
Algarve acorda para os perigos de nova droga sintética
Idálio Revez
PÚBLICO, com Amílcar Correia
O Algarve acordou há cerca de duas semanas para o perigo que resulta do consumo
de uma recente droga sintética, o GHB (Gama Hidroxi-Butírico). O caso de uma
jovem que despertou nua numa vivenda da zona de Albufeira, não se lembrando das
circunstâncias que a levaram a essa situação, veio chamar novamente a atenção
para esta substância, que tem várias designações ("ecstasy líquido" ou "easy lay").
A jovem, no final de uma noite passada numa discoteca, tomou "um copo" com uns
amigos, e, a partir daí, perdeu a consciência dos seus actos. Ao acordar,
despida, numa cama desconhecida, numa vivenda da zona de Albufeira, deduziu que
algo estranho se teria passado. Sentindo-se de cabeça vazia, e com o corpo
dorido, perguntou aos três supostos amigos o que lhe tinha acontecido. A
resposta deixou-a enigmática: "Não sabes? Estiveste numa festa connosco".
De regresso a casa, em Faro, foi ao Centro de Saúde para ser observada, mas as
análises efectuadas nada confirmaram sobre eventuais abusos sexuais. Além de que
aquela droga só é detectada nas duas horas subsequentes à sua ingestão. Perante
este facto, e sem memória do passado, decidiu não apresentar queixa na policia.
No entanto, depois do seu relato vir a público, uma outra rapariga, de 16 anos,
contou que foi abandonada, despojada de algumas peças de roupa, no meio do
campo. A cena passou-se após a festa da última passagem de ano. Os pais, ao
tomarem conhecimento do assunto, interpretaram o sucedido como se tratando de
uma brincadeira dos amigos, influenciada pelo consumo do álcool, mas a jovem
teve de recorrer a tratamento.
Ao Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT), em Faro, chegaram cerca de uma
dezena de relatos de jovens que terão inadvertidamente consumido esta droga. O
seu uso, em alguns destes casos, terá sido associado a abusos sexuais, mas não
foram, no entanto, apresentadas queixas na polícia.
O GHB não tem cheiro nem sabor e pode ser bebido como se de água se tratasse. Em
situações de excesso, pode ser fatal. O Observatório Europeu das Drogas e da
Toxicodependência (OEDT) elaborou um relatório sobre os riscos do uso de GHB, no
qual revela a sua preocupação por se tratar de uma droga de "utilização
sub-reptícia em agressões sexuais ou nos chamados 'encontros-violação', embora a
extensão deste último fenómeno não seja conhecida".
Inconsciência e coma irreversível
As Nações Unidas, a 20 de Março de 2001, tomaram a resolução de incluir esta
substância na tabela das drogas. O Infarmed, a entidade que autoriza a venda de
medicamentos em Portugal, questionado pelo PÚBLICO, informou que a venda daquele
produto é proibida em Portugal. No entanto, o gabinete de imprensa do instituto
adiantou que preparou um projecto de decreto-lei destinado a incluir o GHB na
tabela IV, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (a chamada Lei da
Droga), "dando cumprimento à determinação das Nações Unidas, no sentido da
actualização das tabelas nacionais relativas à classificação das substâncias
estupefacientes e psicotrópicas". O diploma encontra-se no circuito legislativo
interministerial.
O Gama Hidroxi-Butírico surgiu no mercado como antidepressivo, sonífero,
substância dietética ou como anabolizante utilizado por desportistas no final
dos anos 80. Em 1990, foi retirado do mercado, não se encontrando disponível à
venda ao público, muito embora seja usado como anestésico na veterinária. Sobre
a dimensão do consumo desta droga, João Goulão, ex-presidente do Serviço de
Prevenção e Tratamento de Toxicodependência, disse não ter tido "nenhum relato
directo" deste estupefaciente. Contudo, enquanto antigo membro do comité
científico do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência, confirmou que o
assunto já tinha sido objecto de análise, num relatório, para vir a figurar na
tabela das drogas ao nível europeu.
O abuso desta droga, segundo o referido relatório do OEDT, pode conduzir à
inconsciência e mesmo ao coma irreversível, uma vez que é demasiado estreita a
margem que separa uma dose "para fins recreativos" e uma dose que poderá ser
fatal.
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