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Diário de Notícias - 31 Mar 03
Qualquer guerra
João César das Neves
Uma guerra é sempre estúpida. Uma guerra, qualquer guerra, é sempre sumamente
estúpida. Não por causa das razões da guerra. Essas normalmente são sérias e
ponderáveis. Uma guerra, mesmo justa ou necessária, é estúpida por si mesma.
Ninguém vai para a guerra com más razões. Ninguém faz a guerra ligeiramente, por
razões fúteis e superficiais. A guerra é uma coisa tão horrível, que ninguém
entra nela por razões menores. Há pessoas fúteis e superficiais que encaram
assim a guerra, mas essas não fazem a guerra. Quem a faz, faz sempre a sério.
Por isso não vale a pena discutir as razões da guerra com quem a faz. Fazer isso
é sempre muito estúpido. Discutir as razões da guerra é sempre, de algum modo,
participar na guerra.
A razão por que a guerra é estúpida não tem nada a ver com as suas razões. A
razão da estupidez da guerra tem a ver com a sua própria natureza. Tem a ver com
o facto de uma pessoa humana valer mais que todo o Universo. Tem a ver com o
facto de uma pessoa, por pequenina e humilde que seja, valer mais que tudo o
resto. Por isso, tirar uma vida é sempre uma supina estupidez. E na guerra,
quaisquer que sejam as razões, a vida torna-se sempre secundária, dispensável,
barata. Mais barata que as razões da guerra. É isto que é muito estúpido.
Infelizmente, é sempre difícil dizer isto a quem está envolvido na guerra,
porque esses só vêem as suas razões. Nem sequer conseguem ver o esmagador valor
e dignidade da vida, muito superior a essas boas razões. Não conseguem ver o
valor da vida senão como parte das suas razões. Mas numa guerra, em qualquer
guerra, o que está em causa antes de mais não são as suas razões, sempre sérias
e profundas. Numa guerra o que está em causa é mesmo o valor supremo e a
dignidade inultrapassável da vida humana. Esse valor que é pisado pela guerra.
É por isso que numa guerra, em qualquer guerra, a Pessoa de quem mais se fala é
Deus. Porque Deus é neste mundo o garante supremo do valor e dignidade da vida
humana. Do valor que o mundo tantas vezes despreza. Da dignidade que a guerra
estupidamente despreza. Perante a guerra, só Deus pode eliminar a estupidez e
restaurar a dignidade dos que a vivem. E sobretudo dos que nela morrem.
Perante uma guerra, perante o estúpido desprezo da dignidade da pessoa na
guerra, só há uma coisa digna a fazer: rezar. Por isso, neste momento no Iraque,
EUA, Inglaterra, Israel, Congo e muitos locais da guerra, milhões de pessoas,
civis e militares, levantam os braços ao Céu, pedindo a Deus que os proteja, a
si e aos seus, da guerra. Por isso neste momento por todo o mundo, milhões de
pessoas levantam os braços ao Céu, pedindo a Deus que proteja desconhecidos
longínquos da guerra. Na guerra a única Pessoa com que não é estúpido falar é
com Deus.
Até os líderes da guerra falam com Deus. Falam de Deus nas suas boas razões. O
Presidente George Bush, na mensagem à nação das 22 e 15 de 19 de Março, em que
anunciou as razões da guerra, disse: «Que Deus abençoe a América e todos os que
a defendem.» O Presidente Saddam Hussein, no seu discurso à nação das 11 horas
de 24 de Março, em que reagiu às razões da guerra, disse: «Continuaremos o nosso
pacto com Deus e Ele é nossa testemunha, confiamos nele para humilhar o
arrogante agressor.» Mas ver Deus como defensor das boas razões da guerra é uma
enorme estupidez. Porque Ele é quem mais ama a vida humana.
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