Público -20 Mar 03

Governo Vai Criar 800 Vagas para Quem Foi Prejudicado Pelas Fraudes do Ensino Recorrente
Por ISABEL LEIRIA

Perto de 800 alunos foram objectivamente prejudicados no concurso de acesso ao ensino superior de 2002/2003 por colegas que vieram do ensino recorrente, muitos dos quais com notas inflacionadas. Os ministérios da Educação e do Ensino Superior chegaram à conclusão de que não têm margem de manobra legal para corrigir o percurso dos estudantes que entraram nos cursos em situação irregular e decidiram abrir outras tantas vagas para todos os que foram ultrapassados por eles.

O Governo considera que as responsabilidades pelas fraudes são apenas atribuíveis à própria administração educativa e, eventualmente, a algumas escolas. Daí a opção ontem anunciada, em conferência de imprensa. "É um acto de mea culpa do Estado, que reconhece que houve erros e que a única forma de os reparar é compensar os que foram prejudicados", declarou o ministro da Educação, David Justino.

Pedro Lynce, titular da pasta do Ensino Superior, reforçou: "O Estado tem de fazer justiça através de medidas compensatórias para com aqueles que foram preteridos". Os dois ministros juntaram-se ontem para dar conta de algumas conclusões das investigações à utilização fraudulenta do ensino recorrente, que deveria ser uma educação de segunda oportunidade mas que tem sido utilizado, de forma exponencial, como forma mais fácil de aceder ao superior.

Para já, uma coisa é certa: para o próximo ano lectivo vão ser criadas cerca de 800 vagas adicionais. Os estudantes preteridos vão ser contactados, um a um, pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES). Quanto às instituições de ensino, terão de "receber este número extraordinário de estudantes e garantir a eles um ensino de qualidade".

O MCES "está disponível para estudar com os estabelecimentos de ensino o financiamento adicional que venha a ser necessário para enfrentar esta situação excepcional".

Linha de apoio

Cerca de 200 das vagas indevidamente ocupadas dizem respeito a cursos nas áreas da saúde. A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa são, segundo Pedro Lynce, aquelas que se verão na situação "mais complicada". No total, para além das vagas normalmente abertas, vão ter de contar com mais 30 alunos. A partir de segunda-feira, o MCES disponibiliza um serviço especial de atendimento para todos os interessados neste processo (213126121).

Mas a análise da situação dos 9153 estudantes que entraram este ano lectivo no superior, vindos do recorrente, levou o executivo a tomar outras medidas. Neste momento decorrem processos de inquérito às direcções regionais de Educação do Norte, Centro e Lisboa, autoras de algumas das circulares que abriram caminho à perversão do espírito do ensino recorrente.

Quanto ao apuramento das responsabilidades disciplinares das escolas, estão a ser inspeccionadas 274 instituições. A maioria (221) são públicas, mas é nas privadas que se concentram dois terços dos quatro mil processos de alunos com irregularidades. O Ministério da Educação acredita ainda que alguns casos podem vir a configurar matéria criminal, pelo que os encaminhará para a Procuradoria-Geral da República.

Foram identificados 2440 estudantes cujas classificações apresentam irregularidades, "resultantes de deficiente utilização das regras de equivalências e testes de posicionamento". A questão que se coloca agora é saber qual foi o papel das escolas. Em risco de expulsão estão apenas oito estudantes, que já frequentam o ensino superior mas cujas matrículas no secundário recorrente estão irregulares e são ainda passíveis de anulação. Quase seis mil, por outro lado, dos que viram a sua matrícula no superior inicialmente condicionada, têm já a situação regularizada.

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