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Jornal de Notícias - 11 Mar 03
Mangualde :
Idosos motivam crianças para continuar na escola
Êxito
Experiência está a alcançar grande sucesso junto de alunos provenientes de
famílias muito problemáticas
Assiduidade é maior e entusiasmo aumenta junto de uns e de outros
Rui Bondoso
Fala-me da vida, que eu ensino-te a ler. A frase reflecte o espírito de um
projecto que envolve alunos problemáticos de 10, 11 e 12 anos, que estão a
ensinar idosos de 80 anos. Em troca ouvem histórias reais. E muito afecto. A
experiência está a ser feita na Escola Básica (EB) 2/3 Gomes Eanes de Azurara,
de Mangualde, e aplicada à turma H, do 5º ano de escolaridade, frequentada por
alunos provenientes de famílias muito conturbadas, como pais presos, mães
alcoólicas, depressivas ou violentas. Um quadro social e familiar propício a um
prematuro abandono escolar. Mas as crianças do 5.º H não renunciam à escola, nem
aos estudos, porque o projecto está a envolvê-los e a apaixoná-los. "Muitos já
tinham desistido", garante Isabel Olaio, a mentora do desafio. Que tem nome:
"Venha aprender connosco e ensinar-nos também o que sabe". A ideia de pôr
aqueles alunos a ensinar a ler e a escrever idosos de 80 e quase 90 anos foi
dela. Isabel Olaio é professora de Educação Visual na escola. Sabe que, para
aquelas crianças, são precisos outros estímulos, para além do vulgar currículo,
para os prender à escola. "Eles, ensinando os mais velhos e recebendo
destes toda a sua experiência de vida, sentem-se mais motivados, responsáveis.
Sentem-se úteis, preenchem aquela ausência da família. Ultrapassam os problemas
graves de casa", diz Isabel Olaio.
Mais velhos empolgados
Mas o projecto não faz delirar só as crianças. Os idosos também estão
empolgados. Virgínia da Costa, de 88 anos, nunca andou na escola. Mas, desde que
vai à EB de Mangualde, já aprendeu as primeiras letras. "Até já junta algumas e
consegue formar pequenas palavras", diz, entusiasmado, André Sarmento, de 10
anos, e que passou, ontem, todos os 90 minutos que dura a "aula" ao pé de
Virgínia. "Contei-lhe histórias antigas, falei-lhe de mim e da minha vida em
criança, de como eram difíceis aqueles tempos, em comparação com os de hoje",
revela a idosa, a mais velha de seis irmãos, que cedo se viu a trabalhar no
campo. "Tinha que ajudar lá em casa", lembra. Maria Almeida, de 78 anos, recorda
que primeiro não queria vir. "A escola teimou, teimou e eu lá vim. E estou a
gostar tanto que nem imagina... Até parece que ando outra vez na escola",
refere. Celeste fez a quarta classe há 67 anos. Aproveita também para ensinar.
"Eles fazem perguntas e eu respondo sempre da forma mais completa", diz.
"Estamos todos envolvidos e entusiasmados com o projecto", conta Joaquim
Fernandes, outro professor que "embarcou" no desafio. "Dou apoio psicológico a
alguns dos alunos do 5º H. E, não tenho dúvidas que o projecto da turma vai ter
efeitos muito positivos. Os resultados não podem ser vistos e avaliados já no
imediato, porque estas coisas demoram o seu tempo, mas lá virão. O desafio que
lhes foi proposto pode aumentar-lhes a auto-estima, dar-lhes outra razão de
vida. É que estamos a falar de crianças carregadas de problemas", diz Rosa
Correia, a psicóloga da escola.
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