Diário de Notícias - 8 Mar 03

Ser mulher
Helena Sacadura Cabral   

É inevitável não falar da Mulher, pertencendo eu ao sexo feminino e escrevendo esta crónica a 8 de Março. Confesso, porém, que nunca me senti muito à vontade a abordar este tema. Durante muito tempo o meu mundo familiar e profissional foi, sobretudo, masculino. Cresci entre homens e entre eles me fiz gente. Essa terá sido, porventura, a primeira razão pela qual, ao longo de muitos anos, só no meio deles me sentisse à vontade. Ainda hoje as minhas amizades mais sólidas vêm dessa época. Ainda hoje os meus maiores amigos ou são homens ou são mulheres muito especiais. Que pouco ou nada têm a ver com o estereótipo convencional.

Quando entrei para a Faculdade, na área de economia, as raparigas contavam-se pelos dedos das mãos. Para fugir deste ciclo vicioso, onde as fêmeas eram olhadas de soslaio, fui a melhor aluna da casa onde estudei. O que me granjeou a admiração masculina e alguma inveja feminina. Para completar o quadro, além de não ser parva de todo, tinha um palminho de cara e de corpo e uma enorme capacidade de trabalho. Este cúmulo de circunstâncias deu origem a uma mistura explosiva para a realidade da época. Que, como é natural, me aproximou ainda mais do género masculino. A realidade ficará mais expressiva se eu disser que as minhas preocupações tinham bastante pouco a ver com as das mulheres que eu conhecia. De facto, a minha ambição não era arranjar um marido apessoado, de boas famílias e com expressiva conta bancária. A encontrá-lo, ele teria de ser, sobretudo, alguém inteligente. Isso, sim, era essencial. Infelizmente, tal condição, provou não ser suficiente. Mas foi a via de aprendizagem que me conduziu ao mundo das Mulheres. Não daquelas que eu havia conhecido. Mas sim das que, a partir de então, tive a oportunidade de encontrar. Talvez menos intelectuais. Menos bafejadas pela sorte. Mais feitas nas esquinas da vida. Das que gostam de se partilhar em pé de igualdade, não por reivindicação, mas por escolha; das que não precisam e não querem ser sustentadas; das que dividem responsabilidades e não fazem da fragilidade a sua forma de vida. Enfim, mulheres que gostam de o ser e não precisam de abdicar dessa condição, para competirem, em igualdade, com o outro sexo.

Eu sei que elas são cada vez mais numerosas. Mas ainda não são uma maioria. O que significa que continua a ser necessária uma mudança de mentalidades. Feita com os homens e não contra eles. Porque a maior responsabilidade cabe às mães, as suas educadoras e o seu primeiro exemplo de vida no feminino.

Há pouco tempo, num almoço que costumo fazer com algumas colegas de escola, a mesa dividiu-se praticamente ao meio, no que se referia ao binómio vida familiar/vida profissional. Com efeito, ainda há quem oponha uma à outra. E quem defenda que a primeira se deve sobrepor à segunda. Como se fossem totalmente incompatíveis. Como se uma mãe, pelo facto de o ser, deixasse de ser mulher.

O problema não se porá, nunca, para os homens. Provando que existe, ainda, um caminho a percorrer. E que é urgente fazê-lo!
 

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