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Público - 19 Mar 03
Politécnico de Santarém Abre Inquérito às Praxes na Escola Agrária
Por ANDREIA SANCHES
O director do Instituto Politécnico de Santarém (IPS) mandou instaurar um
inquérito aos acontecimentos ocorridos nas praxes da Escola Superior Agrária
daquela cidade. Em causa está o relato de uma aluna do 1º ano do curso de
Engenharia Agro-Alimentar que se queixa das alegadas "torturas" a que foi
sujeita no arranque das aulas.
A jovem de 22 anos enviou, na semana passada, uma queixa ao ministro da Ciência
e do Ensino Superior, Pedro Lynce, e outra à PSP local. A polícia encaminhou a
denúncia para o Ministério Público e o ministro contactou anteontem a
instituição de ensino.
O IPS já fez saber que nomeou de imediato o instrutor que ficará encarregue do
caso. "A Inspecção-Geral de Educação aguarda agora esses resultados para actuar,
com carácter de prioridade", diz Pedro Lynce, em declarações ao PÚBLICO.
O ministro afirma que o relato desta aluna apresenta indícios criminais e
considera-o ainda "mais grave" do que o de outra jovem que em Novembro também
recorreu ao ministério para denunciar praxes violentas no Instituto Piaget de
Macedo de Cavaleiros.
Recorde-se que a carta da estudante de Santarém endereçada ao ministro descreve
um verdadeiro pesadelo: para além de relatar um clima de intimidação permanente
por parte dos alunos mais velhos, a caloira fala de situações que classifica
como "tortura": "Um veterano foi buscar dois sacos de esterco de porco e sendo
escolhidos quatro dos 30 caloiros presentes, foi-lhes dada a liberdade de me
esfregarem com esse esterco (...) camada sobre camada, esfregaram-me a cara,
pescoço, peito, costas, barriga, cabelo. Fiquei muito assustada, sem
possibilidade de pedir apoio, perdi a noção do tempo, tive momentos em que já
nem sabia onde estava".
Lynce garante: "Estou a actuar de acordo com os instrumentos que disponho" e,
acrescenta que não terá dúvidas em, tal como fez com o caso de Macedo de
Cavaleiros, encaminhar este "dossier" para a Procuradoria-Geral da República se
forem essas as indicações que tiver da Inspecção-Geral de Educação.
O ministro também reconhece que, no âmbito disciplinar, há um "instrumento"
precioso para lidar com estes casos que ainda não existe: o estatuto dos alunos
do ensino superior. "Desde Janeiro que aguardo que os senhores reitores me
entreguem uma proposta e ainda não me chegou nada. Estou preocupado porque um
novo ano lectivo está quase à porta e nesta altura já contava ter este diploma",
acrescenta.
Mas esta caloira pode não ser a única a sentir-se violentada pelas praxes deste
ano naquela escola. Questionada sobre se outras denúncias chegaram,
recentemente, às mãos da direcção do IPS, Céu Martins, relações públicas da
instituição, diz que há alguns meses uma aluna se queixou e que a comissão de
praxe "foi informada da situação".
"A comissão de praxes é soberana", refere ainda, acrescentando que acredita que
a aluna que agora denunciou a sua história é a mesma que se queixou nessa
altura. Contudo, a caloira de Engenharia Agro-Alimentar garante que a primeira
vez que falou com alguém sobre o que se passou com ela foi nas algumas semanas -
"Nunca tive coragem para o fazer antes".
O presidente do Conselho Directivo da Escola Superior Agrária, Henrique Soares
Cruz, recebeu ontem a carta da jovem. Citado pela Lusa, diz que os factos
descritos, a serem verdade, constituem uma "canalhice", nomeadamente os insultos
e outros abusos. Mas acrescenta que é tradição usar estrume animal nas praxes:
"Fui aluno desta casa e recebi também bosta no corpo".
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