Correio da Manhã - 8 Mar 04
MULHERES SEM MEDALHA
Quando, hoje, as vinte e duas escolhidas receberem das mãos do
Presidente da República as condecorações que marcam o Dia Internacional da
Mulher, todos sentiremos que, mais uma vez, o simbolismo associado à data
é celebrado em Portugal em tons baços.
Não está em causa o mérito de nenhuma das seleccionadas por Jorge Sampaio,
mas é uma atávica falta de visão manter apenas comendável quem já tem
êxito socialmente reconhecido.
Alguma das milhares de mães coragem que, apesar do desemprego que assola o
País, consegue manter a família estruturada e filhos a estudar se revê
naquelas mulheres de sucesso? Quem, das centenas de bombeiras que
combateram os incêndios de Verão, se acha recompensada por esta cerimónia
bafienta onde se distribuem medalhas a gente que, apesar dos seus
indiscutíveis méritos, é sempre mais do mesmo?
E o exército de mães negras, que, desde o subúrbio da cidade, faz horas e
horas, casa a casa, sol a sol, com um sorriso amigo e competência para
contar os tostões que mandam os filhos para a escola, em que momento se
vai rever? Também aqui, a visão que se dá da nação nestes eternos
agraciamentos de chanel é redutora e desfocada.
Mas é para estas heroínas da rotina desigual que o Dia Internacional da
Mulher continua a fazer sentido. Todas as que, apesar de tudo, teimam em
fazer dos filhos gente-de-bem.
Octávio Ribeiro, Subdirector [anterior] |