Público - 19 Mar 04
O Homem na Sala e na Cozinha
Por BÁRBARA WONG
Luís, 30 anos, casado e pai de dois filhos, sabe de cor o peso e a
altura das crianças, leva-as ao pediatra, vai às reuniões de pais e
recorda-se de todas as fases importantes da vida dos miúdos. Gosta
de escolher as roupas que os pequenos levam para a escola e à noite
é ele que os ajuda nos trabalhos de casa, enquanto faz o jantar.
São assim os novos pais. O papel modificou-se nos últimos tempos,
diz a psicóloga educacional Leonor Falé Balancho. E o que é que os
separa dos da geração anterior? Acima de tudo, quererem estar
presentes nas vidas dos filhos, aponta a psicóloga, que analisou os
pais numa investigação, publicada pela Editorial Presença, com o
título "Ser pai, hoje".
O homem deixou de ter um lugar secundário para passar a ser activo e
"assume um papel tão importante como o da mãe". "Ele deixa de ser
espectador para ser actor", constata a psicóloga e professora
universitária, que os caracteriza: "Os novos pais são compreensivos,
dialogantes, brincalhões, mais presentes na vida dos filhos, mais
sensíveis, sem medo de expressar os afectos. Além de que partilham
as tarefas com as mães". Em resumo: "O pai de hoje é muito mais
feliz".
A nova geração de pais muda fraldas, leva os meninos à escola,
inventa histórias e partilha segredos com os filhos. "Criam um clima
emocional de confiança e estabilidade com os mais novos", explica
Leonor Balancho.
Os novos pais não se coíbem de falar sobre as crianças com os amigos
ou colegas de trabalho. O futebol como tema de conversa masculina
dá, por vezes, lugar à partilha de preocupações com os filhos: as
doenças, a escola, os namoros, as actividades desportivas.
Também no trabalho os homens começam a pedir para sair mais cedo
porque há uma reunião na escola ou uma consulta marcada no pediatra.
Antigamente, essa era uma tarefa das mães, recorda Leonor Balancho.
E as mães, têm ciúme da relação que os pais criam com os filhos?
Leonor Falé Balancho diz que as mães sentem "uma grande felicidade
em terem com quem partilhar esse peso que é a educação".
Os pais mudaram porquê? Porque a vida das mães sofreu alterações. A
partir do momento em que a mulher sai de casa para ir trabalhar, o
homem sente necessidade de partilhar as tarefas domésticas.
Sebastião Pessanha, pai de duas filhas, sintetiza: "Se não fossem os
homens a substituí-las nos trabalhos de casa, a vida das mulheres
que trabalham passaria a ser um inferno".
Gostar mais de brincar
Mas estes novos pais continuam a ser uma raridade. Pelo menos é o
que diz o Inquérito à Ocupação do Tempo, de 1999, o único estudo
feito pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o tema.
Heloísa Perista, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CEIS),
analisou os dados e concluiu que a distribuição de tarefas e
responsabilidades continua a obedecer a padrões tradicionais, ou
seja, compete às mulheres a realização de trabalhos domésticos e a
prestação de cuidados a crianças e adultos dependentes.
Verifica-se que os homens participam nalgumas tarefas quando em casa
há filhos menores de 15 anos, sobretudo nos agregados com maiores
níveis de instrução e de rendimento. Essa participação sente-se
sobretudo na cozinha, na preparação de refeições, onde 17 em cada
100 homens com filhos o fazem.
No que diz respeito aos cuidados com os mais pequenos, os pais
centram-se sobretudo em tarefas lúdicas, como brincar, levá-los ao
teatro, cinema e concertos (38,8 por cento); à ginástica e natação
(37,8 por cento); e em ir com eles ao médico (31 por cento). Os
cuidados com as crianças ou o acompanhamento da vida escolar já é
competência das mães (cerca de um quarto dos homens participam
nestas actividades).
Os pais envolvem-se, portanto, em "tarefas mais gratificantes",
aponta Heloísa Perista, que não vê grandes mudanças de hábitos nas
gerações mais novas: segundo o inquérito, as assimetrias persistem
entre os 15 e os 24 anos, com as raparigas a despenderem mais tempo
nos trabalhos em casa. "Há ainda um longo caminho a percorrer ao
nível da esfera privada, onde se continuam a verificar grandes
assimetrias", afirma a investigadora.
Maria das Dores Guerreiro, do Instituto Superior das Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), está optimista: "Embora nas
estatísticas exista uma grande assimetria, percebemos que há novas
tendências nas gerações novas". A investigadora, que trabalha sobre
a relação trabalho/família, diz que os jovens entre os 18 e 30 anos,
quando inquiridos, revelam a expectativa de assumir as
responsabilidades da paternidade.
Só que, na prática, acabam por moldar-se à forma como a sociedade
está organizada e a reproduzir os mesmos modelos. "A profissão
açambarca um espaço que deveria ser dado à família", lamenta Dores
Guerreiro, que defende o reforço das políticas de família.
A sociedade só mudará quando a excepção não forem os novos pais, mas
aqueles que ficam no local de trabalho até depois das 21h00 ou que
não gozam a licença de paternidade, refere a professora do ISCTE.
"Os pais estão num processo de redefinição do seu papel", conclui. O
dia de hoje é-lhes dedicado.
[anterior] |