Diário de Notícias - 7 Mar 05

 

Os equívocos da escolha decisiva

João César das Neves

 

O país depende cada vez mais de imigrantes, que fazem os trabalhos indispensáveis que os portugueses desprezam

O país está em tempo de escolhas. Mas a mais importante de todas é, sem dúvida, aquela que milhares de alunos fazem por esta altura. No 9.º e no 12.º anos, em situações muito variadas e distintas, os jovens vão decidir nas próximas semanas coisas determinantes para a sua vida futura. Continuo ou não a estudar? Que curso e carreira devo escolher?

Este facto constitutivo da sociedade moderna e civilizada, sendo normal e comum, não deve levantar dificuldades. A angústia, incerteza e desorientação que geram são muito dolorosas para quem as suporta, adolescentes e pais. Mas são coisas da vida, que nos devem alegrar e suscitar apoio.

Hoje em Portugal, porém, existe um conjunto de circunstâncias que cria aí graves interferências. Ideias feitas, teorias educativas e mitos modernos conjugam-se para distorcer este momento, que deveria ser uma consagração da personalidade individual e do desenvolvimento socioeconómico. Estes equívocos, igualmente graves para os que abandonam o ensino e para os que avançam para a universidade, tomam formas diferentes nos dois casos.

O pior dilema é o dos jovens que decidem não continuar os estudos e saem da escola. Uma pessoa que passou nove ou mais anos nas aulas não quer ser operário, cavador ou servente. Aspira naturalmente a emprego mais digno; pelo menos escriturário, contínuo, telefonista. Esta é uma atitude normal, compreensível, razoável. Mas esconde graves problemas. Apesar da queda da agricultura e indústria na economia nacional, um país não pode viver sem trabalhadores braçais e só com funcionários de secretária. Pior de tudo, a escola, que se julga a solução mágica do desenvolvimento, como é livresca e abstracta não forneceu aos jovens a produtividade que lhes garanta salários altos. Só lhes deu o sonho de os ter.

Os resultados são evidentes. Primeiro, o país depende cada vez mais de imigrantes, que fazem os trabalhos indispensáveis que os portugueses desprezam. Depois, o desemprego sobe com muitos empregos desocupados. Uma vaga num escritório tem milhares de candidatos, mas faltam jornaleiros, carpinteiros, canalisadores.

Quanto aos estudantes que avançam para o ensino superior, eles são vítimas das modas intelectuais. Muitos professores, pais e educadores insistem com os jovens para que eles enveredem pela carreira que realmente sentem como sua. "Não te preocupes com as saídas profissionais", dizem os mais impositivos; "o que interessa é fazeres o que gostas!" Deste modo, instila-se a atitude de escolher profissão como se escolhe passatempo ou sobremesa. Sobretudo esquece--se que o trabalho, qualquer trabalho, por muito que se goste dele, implica sempre esforço, dificuldade, exigência. Não admira que tantos, ao primeiro obstáculo, duvidem da escolha feita ou enveredem pela facilidade, mascarada de vocação.

As consequências são igualmente funestas para os jovens e para o país. Primeiro, no enviezamento das candidaturas à universidade. Faltam licenciados em cursos técnicos, mas estudam-se matérias que, por muito interesse que tenham, dificilmente serão absorvidas pela circunstância do país. A percentagem de alunos do liceu na secção de Artes é exagerada, mesmo para um país mais rico que Portugal. Multiplicam-se as licenciaturas hiperespecializadas em cursos como Turismo, Antropologia, Biologia Marítima, Desporto, entre tantos outros, que amontoam os licenciados competindo pelos poucos lugares disponíveis no respectivo sector. Quase todos acabam suportando o malogro de uma ocupação diferente daquela para que foram preparados.

A todos, com o ensino básico, secundário ou superior, a vida se encarregará de ensinar mais que a escola. Mas esta é uma das formas pelas quais o ensino, alegadamente motor essencial do progresso, acaba por distorcer e atrasar aquilo que deveria promover.

A educação não gera o desenvolvimento. Só a boa educação o faz. A má, aqui como em tudo, é apenas um desperdício de tempo e recursos. A principal diferença entre a boa e a má educação é o bom senso.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

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