Correio da Manhã - 12 Mar 06
Emprego primeiro e só depois os bebés
Natalidade
Ilustração: Ricardo Cabral
O apelo à maternidade só chega aos 27 anos. Mas
pode ser mau se a mãe tiver de optar entre filho
e trabalho. Saiba porquê.
Os filhos só nascem daqui a alguns anos.
Primeiro os estudos. E venha lá... o emprego e
depois um emprego melhor. Mais. O sucesso no
emprego. Os namorados casam-se, ou juntam-se sob
o mesmo tecto, e ficam apertados pelas
dificuldades.
Já passados os 27 e os 30 anos, homens e
mulheres, respectivamente, decidem ter o
primeiro rebento. E é preciso cuidar do bebé.
Agora, quem prescinde do tão desejado sucesso de
carreira? São principalmente as mães.
A não ser que o casal tenha planificado o futuro
da família cada vez menos numerosa. Faltarão
apoios do Estado. Em contrapartida aumenta o
número de avós dispostos a ajudar a cuidar dos
netos.
Aumenta ainda um aparente estado de alma dos
portugueses de que a boa paternidade só se
conquista depois dos 30. O último relatório do
Eurostat (Comparação Estatística Entre a Vida de
Homens e Mulheres na União Europeia) revela que
as mulheres que decidiram em 2004 ser mães
tinham em média 27,1 anos. Mas não foi sempre
assim. Dez anos antes, rondavam os 25,6 anos.
A verdade é que a esperança média de vida também
aumentou significa que depressa teremos um País
cada vez mais envelhecido e à mercê da chegada
de imigrantes.
Mantendo-se esta tendência para a diminuição do
número de filhos por mulher, o ritmo galopante
de um País que terá cada vez menos jovens (para,
também eles, terem filhos) faz ainda Portugal
perder 20 por cento da sua população até 2050.
Soluções? Uma delas, segundo o alto-comissário
para a Imigração e Minorias Étnicas, Rui
Marques, requer um aumento benéfico do número de
imigrantes para potenciar a economia nacional e
torná-la, além de competitiva, rentável.
De volta à família. Não acho que os reflexos
sejam negativos. Com estas idades as mulheres já
tiveram alguma oportunidade de aproveitar mais a
vida. Têm mais maturidade. Mas Catarina Mexia,
terapeuta de família, acrescenta de seguida: que
isto não significa que tenham maior estabilidade
financeira. Às vezes até se vêem penalizadas na
progressão da carreira por terem filhos.
Há sempre um elemento do casal que tem que
escolher entre o emprego e os filhos que neste
momento são cruciais. Depois, vive-se em tensão
permanente. A psicóloga recorda uma mulher, de
44 anos, que a consultou por estar depressiva.
Esta responsável de sector de uma empresa tem
três filhos e, por eles, negou vários convites
para trabalhar no estrangeiro. Foi a opção do
casal.
Caso contrário, o marido teria de prescindir de
parte da carreira de médico. Quando chega a casa
sente-se feliz por ver os filhos a crescer, mas
cansada por não se sentir realizada no emprego,
explica Catarina Mexia.
E depois, quando os filhos saírem de casa? O
apelo à maternidade vai passando e as mulheres
sentem-se muito mais esvaziadas.
São pelo menos 250 mil os casais portugueses
apostados no crescimento familiar. Têm três ou
mais filhos e, contrariamente ao que se possa
pensar, atravessam transversalmente todas as
classes sociais.
O presidente da Associação de Famílias Numerosas
é um deles. Fernando Castro, 53, e Leonor, 51,
têm imagine-se... 13 filhos, entre os 31 e os
quatro anos. Agora já só crescemos de duas
maneiras: em netos e casamentos. Apesar da
experiência pessoal, a sociedade agora dita o
contrário. Não vamos deixar de ter crianças e,
assim, deixamos de ter País, sentencia.
Principalmente porque o Governo não está
preocupado com a baixa taxa de natalidade.
O maior exemplo são os baixos abonos de família.
Mas, também, porque as pessoas preferem cães,
peixes, gatos, a ter filhos. Quando os têm,
muitas vezes são irresponsáveis. Há muitos avós
a assumir o papel de pais, devido à
irresponsabilidade dos pais.
O casamento entre os avós e o infantário é
notório. Mas, mantendo a metáfora, há relações
isoladas: onde só os avós são chamados a cuidar
dos netos. O cuidar dos netos e ajudar os filhos
começa a ser visto cada vez mais como uma
componente da vida dos idosos, afirma Duarte
Vilar, sociólogo.
Tudo por se alterar o calendário de vida.
Antigamente o projecto de vida das mulheres era
casar relativamente cedo e ter logo filhos. Para
muitas mulheres ser mãe era uma profissão.
Agora há maior solicitação na formação académica
de homens e mulheres que, para fazerem uma série
de coisas (como os estudos), adiam a agenda da
maternidade.
Por outro lado, o director executivo da
Associação para o Planeamento da Família afirma
que quer as mulheres quer os homens, continuam a
querer muitíssimo, muitíssimo ter filhos. Os
tempos é que são outros. Aos 50 anos, Duarte
Vilar recorda a infância. Nunca estive numa
creche porque a minha mãe trabalhava em casa,
era modista, e também cuidava dos filhos. Outra
ajuda preciosa era a da avó.
Não digo que abdiquem da vossa carreira, mas
para as mulheres à volta dos 30 idade em que
constituir família e ter filhos é relativamente
fácil esta deve ser a prioridade, e não o
trabalho, diz Sylvia Ann Hewlett, economista
norte-americana que foi mãe pela primeira vez
aos 51 anos.
Sylvia publicou um livro sobre a angustia das
mulheres , que para alcançarem uma carreira de
sucesso, ter filhos pode ser mesmo um problema.
Em Creating a life; Women and the Quest for
Children, considera ilusório que as jovens aos
20 anos pensem dedicar-se inteiramente ao
trabalho e pensem em adiar a maternidade... até
lá para os 35.
FILHOS... E QUEM CUIDA DO LAR?
É aos 27 anos que em média as mulheres decidem
ser mães pela primeira vez. E porquê? Por quatro
motivos aparentes.
Primeiro porque estudaram: entre os 20 e os 24
anos, 56,6% dos universitários eram em 2003 do
sexo feminino e, em 2005, 56,6% destas jovens
tinham completado o 12.º ano os rapazes com o
secundário ficaram-se pelos 40,4%.
Segundo, devido ao desemprego: Em Janeiro de
2006 o desemprego atingiu 8,7% das mulheres e
6,9% dos homens; mais, elas são quem mais
acumula ao emprego... um segundo emprego.
Terceiro porque ganham menos: elas recebem 924
euros de salário médio mensal, menos 261 que
eles. Quarto: para piorar as contas, quem cuida
do lar?
ABC DA FAMÍLIA
Cuidar dos filhos, do lar e manter o emprego
está longe de ser uma tarefa fácil. Siga alguns
dos conselhos e ajude a sua família a crescer.
Com paz e harmonia.
MAIS INTIMIDADE
Reserve áreas da casa de modo a que cada
elemento da família tenha um espaço privado.
Assim, um casal não perderá a sua intimidade nem
será surpreendido pelos filhos. Faça um
calendário de tarefas a atribuir à família. Por
outro lado, não deixe que o trabalho se
sobreponha aos filhos.
TODOS PARA AJUDAR
Os pais não devem assumir um filho como uma
obrigação, mas sim repartir as tarefas
domésticas e de educação das crianças. O pai
deve brincar com os filhos e sempre que possa
ajudar a mulher a trocar uma fralda ou a dar
banho ao bebé e, nos primeiros meses, revezar as
horas de descanso.
É BOM TER AVÓS!
Especialistas defendem que o cuidar dos netos e
ajudar os filhos é uma componente da vida do
idoso. Estes não devem nem ceder por inteiro aos
caprichos dos netos, nem às solicitações dos
filhos que não lhes pareçam fundadas. Há que ser
ponderado na ajuda que dá.
O FUTURO DAS CRIANÇAS
Qual será o futuro das crianças, se há cada vez
menos. O problema principal que poderá existir é
a perda de competitividade das empresas e o
abrandamento da economia. Isto porque daqui a
quatro décadas a população será extremada:
trabalhadores jovens e trabalhadores mais
velhos.
OPINIÃO DA JORNALISTA DULCE GARCIA
NATALIDADES
As mulheres têm cada vez menos filhos. E mais
tarde. Porque será que isto não me surpreende?
Tive o meu primeiro filho a cinco dias de fazer
29 anos. Tarde? Talvez. Mas antes tinha andado à
procura do amor, esgotadas que estavam as
hipóteses de constituir família com paixões
assolapadas.
Mesmo assim, com a sensação de ter o pai ideal
ao meu lado, não posso dizer que tenha sido uma
coisa planeada. Aconteceu. E ainda bem.
Lembro-me do dia em que descobri que estava
grávida pela primeira vez. Descobri e aceitei,
porque a constatação de que se está a gerar uma
vida não é assim tão pacífica. Não há alturas
certas, nunca estão reunidas todas as condições
e, acima de tudo, sabe-se que nunca mais nada
vai voltar a ser como antes. E isso dá cá um
medo
Numa sociedade dominada pela vertigem do
imediato, os filhos são a única garantia de uma
continuidade. Pode-se ter uma casa, um carro, um
emprego e até um casamento a prazo, mas um filho
tem-se para sempre.
O que não impede as angústias até as pode
agravar. Vejamos: se não houver dinheiro para
pagar o empréstimo da casa, resta sempre o
recanto debaixo da ponte. Mas isso está longe de
ser um programa divertido de fim-de-semana. E se
a casa, mesmo paga, for um cubículo, não há
harmonia familiar que resista às cotovelada.
Por outro lado, se o emprego for periclitante,
como pagar a escola e as mudas de roupa sempre a
subirem pelos braços e canelas acima , para já
não falar das festas de anos e do DVD do Rei
Leão?
Sim, sim, é um facto que quando se quer muito
uma coisa, todas as contrariedades parecem
pormenores de somenos importância. Mas
convenhamos, não é fácil manter uma família
unida e feliz com um pai desempregado, uma mãe
esgotada por 14 horas de trabalho, uma ementa
fixa de costeletas de porco e arroz de feijão, e
a miragem de ir um dia à Eurodisney
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