Diário de Notícias da Madeira - 20 Nov 03

Estado tem sido responsável pela fragilização da família
 
A afirmação é da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, que já escreveu aos deputados da Assembleia da República sobre o Orçamento de Estado
A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) considera que Portugal não tem razões para celebrar o X aniversário do Ano Internacional da Família, que terá início no próximo dia 1 de Janeiro, dado o resultado da desastrosa política familiar que tem sido praticada.
O facto levou, inclusive, a APFN a escrever uma carta aberta aos deputados da Assembleia da República, que continha nomeadamente várias críticas ao Orçamento de Estado para 2004, que, por manter a mesma linha de outros orçamentos anteriores, «apenas vai prejudicar e fragilizar ainda mais a instituição familiar».
Para aquela associação, a fiscalidade tem sido, indubitavelmente, a causa primeira da preocupante situação das famílias portuguesas, dado que, através do IRS, o Estado tem penalizado o casamento, promovido o divórcio e dissuadido a natalidade.
Deste modo, a APFN coloca várias questões aos deputados, nomeadamente sobre a razão da dedução reduzir para metade quando dois estudantes decidem casar-se, ou quando dois viúvos ou solteiros, residentes num lar, tomam essa mesma decisão.
Da mesma forma, recorda a APFN que qualquer pessoa que se casa vê a sua dedução reduzir, pelo que, automaticamente, irá pagar mais IRS, o que poderá resultar numa forma de dissuadir o casamento.
Como se isso não bastasse, o Estado acena aos 4.470.000 portugueses casados com um bónus de dedução ao rendimento de cerca de 8.000 euros no caso de se divorciarem, o que leva a APFN a questionar os deputados se conseguem explicar a estes 4.470.000 de portugueses, assim como aos seus 3.500.000 filhos, porque é que o Estado está tão interessado na dissolução das suas famílias.
A associação questiona ainda a razão do IVA de artigos de primeiríssima necessidade, como é o caso das fraldas, pasta de dentes, bolachas, etc, ter sido aumentado de 17% para 19%, onerando gravemente a vida de todos os pais, sobretudo de famílias mais numerosas.
Questões que a APFN gostaria de ver respondidas pelos deputados nacionais, e caso estes não sejam capazes de justificar as novas medidas fiscais contra a família, deverão então alterar as mesmas.
«Pedimos que, na altura de votar o orçamento, o façam em consciência, exactamente do mesmo modo que as famílias portuguesas irão fazer nas eleições de 2004, 2005 e 2006», refere a carta aberta.
Na missiva, a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas faz ainda questão de recordar a realidade familiar portuguesa, salientando, nomeadamente, que o número de casamentos teve uma quebra de 34%, tendo passado de 86.000 em 1994 para apenas 56.400 em 2002.
Enquanto isso, o número anual de divórcios subiu de 12.500, em 1994, para 27.800, em 2002, isto é, mais do que duplicou, fazendo com que Portugal tenha atingido, num curtíssimo espaço de tempo, o 2º lugar na Europa em maior taxa de "divorcialidade".
O número anual de nascimentos manteve-se na ordem dos 110.000, num défice anual de 50.000 nascimentos por ano, ou seja, nestes 10 anos nasceram menos 500.000 crianças do que seria necessário para manter a renovação de gerações.
Segundo a APFN, a reduzida taxa de natalidade tem provocado um crescente envelhecimento da população, encerramento de escolas e ameaça, seriamente, a manutenção do Sistema de Segurança Social.
Mas, pior ainda, «a crescente instabilidade familiar gerou, nestes 10 últimos anos, mais de 370.000 órfãos de pais vivos, crianças e jovens que nem sequer podem dizer boa-noite ao seu pai e à sua mãe!»
Algo que, dizem, «deve ser motivo de séria preocupação de toda a sociedade portuguesa, uma vez que é a causa principal do insucesso escolar e do crescente e indisfarçável comportamento de risco infantil e juvenil».
Aliás, refere a APFN, que os estudos internacionais mostram aquilo que toda a gente sabe, mas que, pelos vistos, é politicamente incorrecto falar-se em Portugal: a separação dos pais tem gravíssimas implicações no são desenvolvimento das crianças, o que faz com que a incidência de comportamentos desviantes e de risco aumente, em média, em 4 a 8 vezes.
Por outro lado, todos os estudos internacionais mostram que, apesar do elevado número de divórcios, a família baseada no casamento é a mais estável e, como tal, que melhor garante o necessário equilíbrio emocional para o saudável desenvolvimento das crianças.
Para a APFN, «aquilo que se designa por "união de facto" apresenta uma enorme instabilidade, dado que apenas 4% dessas uniões ultrapassam os dez anos de duração, o que faz com que crianças nascidas de pais nessa situação têm uma probabilidade de 96% de «virem a engrossar o número de órfãos de pais vivos».
Jovens do futuro não vão ter tempo para cuidar dos mais velhos: Fernando Castro, da APFN, diz que em nome do politicamente correcto está-se a sacrificar o futuro do país
Fernando Castro, presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), considera que o declínio da família tradicional, com o aumento dos divórcios e a diminuição dos nascimentos, terá graves consequências para a sociedade.
Dentro de 20 anos a geração jovem será demasiado reduzida para manter o cada vez maior número de idosos. Além de que, com os problemas decorrentes de serem filhos de famílias destroçadas, «estarão demasiado "divertidos" a resolver os problemas da sua própria geração».
Em declarações ao DIÁRIO, Fernando Castro diz que neste momento a associação que dirige tem duas grandes preocupações. A primeira é com o estado em que se encontra a família, e a segunda é com a falta de preocupação da classe política face à realidade familiar portuguesa.
DEGRADAÇÃO
Para aquele responsável, a situação das famílias em Portugal tem vindo a degradar-se nos últimos 20 anos, e seriam, por isso, necessárias «medidas de choque», que, no entanto, tardam em ser tomadas.
Uma inércia que não decorre do desconhecimento, pois todos falam do aumento dos divórcios e da redução da taxa de natalidade, mas falam como quem fala da inevitabilidade de estar a chover.
DESPROTEGIDOS
Fernando Castro diz que o aumento dos divórcios e o aumento do número de crianças a nascer fora do casamento fazem com que a actual geração se encontre mais desprotegida.
Assim, e apesar de hoje o número de filhos ser menor, o que poderia fazer com que estes recebessem um maior apoio, verifica-se exactamente ao contrário.
O facto de as famílias não se manterem juntas, com o aumento dos divórcios, faz com que os jovens tenham cada vez mais problemas, ao nível do alcoolismo, da droga, e sejam também vítimas de muitos dos acidentes rodoviários que acontecem em Portugal.
O grave de tudo isto, segundo Fernando Castro, é que os responsáveis continuam sem tomar medidas para travar esta tendência. Todos preferem optar pelo politicamente correcto, de tudo permitir, inclusivamente com medidas que facilitam o divórcio e outras formas de família, sacrificando com isso o futuro do país.
Para o responsável pela APFN, é preciso alterar este estado de coisas.
«De bradar aos céus»
O padre José Manuel Rodrigues considera que a medida de criar benefícios fiscais para os casais que se divorciam «é de bradar aos céus», pois constitui um incentivo à destruição da família.
E a medida é tanto mais grave, porque se vive numa época em que a instituição família está cada vez mais vulnerável, e em que o número de divórcios tem vindo a aumentar.
De qualquer forma, o padre José Luís Rodrigues diz que existem casais que ainda levam a sério o juramento de que a união é até que a morte os separe, e que continuam juntos pela vida fora, no propósito de educarem os filhos.
Segundo o nosso interlocutor, a sociedade perde em toda a linha com o enfraquecimento da instituição familiar, que está na base de muitos dos problemas actuais, nomeadamente da droga e do aumento da violência.
Como refere, «se não forem os pais os principais educadores, quem o será?»
José Luís Rodrigues diz mesmo que é no meio familiar que tem de ocorrer o processo de «formatação» das cabeças dos mais jovens.
 
 
Raquel Gonçalves

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