Expresso - 5 Nov 05
Uma escola só
para alguns?
Santana-Maia Leonardo
A ESCOLA actual está erigida sobre uma contradição
insanável: por um lado, queremos uma escola para todos,
mas, por outro, agimos como se a escola fosse só para
alguns. E esses alguns são precisamente os chamados
alunos medianos que, representando a maioria, estão
muito longe, no entanto, de representar a totalidade dos
alunos.
Ora, não se pode defender a escolaridade obrigatória
e depois impor um modelo de escola destinado ao aluno
mediano onde os que têm menos aptidões são pura e
simplesmente eliminados ou marginalizados. Com uma
escola a funcionar assim é óbvio que terá de haver
insucesso e abandono escolar.
Qual é a solução? É muito simples: se queremos uma
escola para todos, então a escola tem de ser mesmo para
todos e não apenas para alguns, mesmo que esses alguns
sejam a maioria.
Antes de mais, há uma coisa que todos temos de
interiorizar: nem todas as pessoas nascem com as mesmas
aptidões. Há pessoas que podem treinar 24 horas por dia,
durante toda a vida, sob o comando dos melhores
treinadores, que nunca conseguirão atingir os mínimos
olímpicos. Afirmar, como eu já vi, que o bom professor é
aquele que consegue que os seus alunos obtenham 16 nos
exames nacionais é tão estúpido como afirmar que o bom
treinador é aquele que consegue fazer de qualquer
jogador um Eusébio. Nem se pode exigir isso de um
treinador por muito bom que seja, nem de um professor.
Para se ser um Eusébio, não basta ter um bom treinador,
é necessário também ter aptidões para o ser. Com os
alunos passa-se rigorosamente o mesmo.
Sendo certo que a nossa escola, da forma como está
organizada, nem permite que os Eusébios surjam, nem que
os «cepos» aprendam sequer os rudimentos do jogo. Daí
que os melhores alunos saibam cada vez menos e o
abandono e o insucesso escolar se mantenham elevados.
Ora, se queremos uma escola para todos (quer para os
que têm muitas aptidões, quer para aqueles que não têm
aptidão nenhuma), só há uma solução: procedermos à
reforma do nosso sistema de ensino tendo em conta este
objectivo.
Primeira medida: redução dos horários lectivos dos
alunos do secundário para 20-24 horas por semana (máximo
6 disciplinas) e os do básico para 28 a 30 horas (máximo
9 disciplinas).
Segunda medida: exames no final de cada ciclo, que se
destinariam a distribuir os alunos por três níveis de
ensino diferentes consoante as suas capacidades,
aptidões e conhecimentos (nível 1 - de 0 a 7 valores;
nível 2 - de 8 a 13 valores; e nível 3 - de 14 a 20
valores). Sem prejuízo de, no final de cada período, o
aluno poder transitar para o nível superior, sob
proposta fundamentada do professor da disciplina.
Terceira medida: adequação dos programas e objectivos
de cada ano a cada um dos níveis.
Quarta medida: a avaliação deveria ser rigorosa com
notas de 0 a 20, a única avaliação que toda a gente sabe
descodificar.
Quinta medida: a reprovação passaria a ser
absolutamente excepcional, por forma a que o aluno
pudesse concluir os 12 anos de escolaridade obrigatória
em turmas com alunos do seu escalão etário (a
diferenciação de saberes e competências faz-se através
dos níveis).
Sexta medida: introdução de componente técnica
profissionalizante nos dois níveis mais baixos, por
forma a preparar os alunos para a vida activa (promover
cursos profissionais para repetentes, como acontece
hoje, é condenar ao insucesso, logo à partida, o próprio
curso).
Sétima medida: a escola passaria a organizar
actividades extracurriculares, quer para apoio às
actividades lectivas (aulas de apoio, salas de estudo,
etc.), quer de ocupação de tempos livres (clubes de
línguas, de poesia, de teatro, de música, desportivos,
cursos extracurriculares, etc.). Estas actividades
seriam facultativas, uma vez que os pais devem ter o
direito de poder inscrever os seus filhos noutras
actividades fora da escola.
Conseguiríamos, assim, uma escola para todos (e,
consequentemente, uma escola com menos problemas
disciplinares): para os melhores, para os medianos e
também para aqueles que têm menos aptidões. Porque a
escola que temos é apenas uma escola para medíocres,
concebida, aliás, à imagem e semelhança dos seus
defensores.
Professor do
Ensino Secundário