EXP. -
Deixa em aberto que escola e os pais concertem posições
em relação a conteúdos específicos desta área?
D.S. - Com certeza.
EXP. - E isso não
contradiz a ideia da obrigatoriedade?
D.S. - Há uma base da
Educação para a Saúde que deve ser dada em todas as
escolas, mas admito que haja sensibilidades diferentes.
EXP. - E temas como o
aborto ou o uso de anti-concepcionais, na sua opinião,
devem obrigatoriamente constar dos conteúdos desta área?
D.S. - Claramente,
mas não se pode dizer o que as pessoas devem fazer. Os
professores devem informar, devem dizer que é importante
não ter relações sexuais de risco, não ter uma gravidez
na adolescência. Com um argumento muito simples: as
meninas que engravidam na adolescência deixam de
estudar. Essa informação deve ser dada, tal como deve
ser dada informação dos métodos de contracepção e dizer
claramente que não se deve iniciar precocemente a vida
sexual. Defendo que se diga isto, não por convicções
morais, mas porque há argumentos de ordem biológica e
psicológica. Há uma justificação científica. Mas também
defendo que, menos até aos 16 anos, a informação deve
ser feita com prudência e de acordo com o que a família
pensa. Deve haver maleabilidade dentro de um curriculum.
EXP. - Então podemos ter
situações muito heterogéneas?
D.S. - Mas sempre
dentro de um curriculum base. Há informação que tem de
ser dada e trabalhada em pequenos grupos. Estas matérias
são sensíveis, não são imediatamente acessíveis a muito
jovens. É preciso dar estas matérias, trabalhá-las,
discuti-las e promover muita discussão e muita
repetição. Pode haver dentro do curriculum base
variações de acordo com a sensibilidade dos pais ou de
determinada comunidade.
EXP. - Das experiências
no estrangeiro há resultados destes programas no que
toca à diminuição de comportamentos de risco entre os
jovens?
D.S. - É muito
difícil fazer essa avaliação, porque as causas destes
comportamentos são multideterminadas. Nunca podemos
dizer que uma rapariga engravidou porque foi, ou não,
informada pela escola. Isso tem a ver com a família
dela, com o grupo de jovens, com o namorado, com o
farmacêutico que encontrou na farmácia. É muito difícil
avaliar. Mas podemos ter alguns indicadores. Se, por
exemplo, numa escola tivermos um número significativo de
grávidas adolescentes e depois de montarmos um programa
deste tipo conseguirmos não ter nenhum caso, é claro que
não há uma consequëncia directa, mas é um indicador do
que está a fazer. Há também cada vez mais casos de
alunos alcoolizados quando chegam à escola. Se fizermos
um programa de prevenção do abuso de alcool e
verificarmos que isso desapareceu podemos dizer que
valeu a pena aquela acção. Podemos estabelecer — e
queremos fazê-lo - alguns indicadores para avaliar se
estes programas estão a funcionar bem. Mas não haverá
nunca uma relação directa.
EXP. - As experiências
estrangeiras sobre Educação Sexual não começam tão cedo
como as da vossa proposta. Porque propõem que em
Portugal comecem logo nos primeiros anos de
escolaridade?
D.S. - Acho difícil
falar de educação sexual a um menino de seis anos. O que
propomos é uma sensibilização a áreas que têm a ver com
o corpo e com a relação com o corpo. O que se deve fazer
no primeiro ciclo é explicar as diferenças entre menino
e menina, a diferença entre a cor da pele. E deve-se
sobretudo fornecer às crianças a perspectiva do outro.
Nesta fase, a criança está muito centrada em si própria,
porque os pais têm muita dificuldade em dizer que não,
têm obsessão de ser bons pais e de lhes dar muitas
coisas. Todos os educadores estão preocupados com o
facto das crianças serem muito indisciplinadas, de terem
poucas regras. Isto vem da família. A escola deve ser
uma oportunidade decisiva para dizer à criança que não
vive sozinha e que há coisas que devem ser interditadas.
Aqui a educação para a saúde deve passar muito por isto
e pela higiene corporal, por lavar as mãos. Não se deve
chamar aqui educação sexual, mas temas da saúde.
Adequadas à idade.
EXP.- As experiências
internacionais colocam a educação sexual a partir dos 12
anos...
D.S.- Acho que na
altura da puberdade ela é muito importante. E a
puberdade tem vindo a ser mais cedo. Tem de ser antes
dos 13 anos, no 2º ciclo porque nessa altura a maioria
das pessoas já passou pela puberdade, que é uma fase de
transformação corporal e psíquica muito grande. É quando
um corpo começa a ser sexuado e a ter um significado
diferente. No 2º ciclo deve surgir a educação sexual. No
1º ciclo seria uma introdução, aliás como prevê o
programa actual como uma área de educação para a saúde.
Nós não proposemos uma reforma curricular. Nem podíamos
propor nenhuma ruptura.
EXP. - Então a vossa é a
proposta possível, não a desejável...
D.S. - O que
desejávamos é que houvesse uma área de educação para a
saúde. Agora não posso dizer que este é um esquema muito
bom, quando os miúdos chegam a ter 15 disciplinas no 3º
ciclo! Evidentemente que não faz nenhum sentido que haja
tanta carga horária e tão pouco tempo para outro tipo de
actividades. O ideal seria termos acompanhado isto com
uma mudança curricular. Mas perderíamos um ano... E um
dos objectivos era dar uma resposta já para este ano
lectivo e evitar mais experiências.
EXP.- E com o mínimo de
alterações da lei.
D.S. - Já há imensa
legislação! Leis não nos faltam. O que nos falta é que
as coisas sejam exequíveis e que os professores sejam
apoiados permanentemente. E que tenham supervisão.
EXP.- Através deste vosso
gurpo?
D.S.- Vamos tentar
trabalhar com um grupo de escolas. Mas é pouco. Já
começou a estabelecer-se a colaboração entre os
Ministérios da Saúde e da Educação e deve continuar.
EXP.- Não há também uma
contradição no facto de a educação sexual estar excluída
do ensino secundário? Precisamente numa faixa etária de
maior risco?
D.S. - Quem me dera
poder ter um sítio onde incluir a educação para a saúde
neste ciclo! Mas os professores e alunos matavam-me,
porque não têm tempo. É claro que é pertinente haver
esta área no secundário, mas o programa está tão cheio
que não o permite. O que se pode é criar nas escolas uma
dinâmica em volta disto, através de debates, pesquisa,
trabalho de campo e um gabinete médico que funcione.
EXP. - A formação de
professores nesta área tem sido entregue a ONGs. Admite
a continuação desta colaboração?
D.S. - Sim. Admito
toda a colaboração. A única coisa que considero errada é
que o Ministério diga à partida que o assunto seja
apenas dessas organizações. A ministra disse uma coisa
espantosa, que «o ministério não tem programa»: Não teve
culpa, já vinha de trás, mas isto não pode ser. O
Ministério tem de ter sempre uma palavra a dizer numa
área tão importante como esta.
EXP. - Como explica então
a demissão do Ministério ao longo dos anos?
D.S. - Muito
facilmente. Pela sensibilidade e a dificuldade do tema.
É difícil obter um consenso nesta área e é preciso ter
muita firmeza e suportarmos as críticas.
EXP. - Admite que a sua
proposta possa não ser consensual?
D.S. - Claro. Eu não
quero consensos, quero é criar uma dinâmica de
discussão. Porque aí eu obtenho respostas. Se deixo
adormecer o assunto e continuar a fazer protocolos com
associações, sem saber o que se passa nas escolas, não
crio nada. Tenho a certeza que este projecto pode
falhar. Pode ter uma série de dificuldades de
implementação prática. Mas também sei que ele será
discutido e se tiver a contenção necessária para não
entrar em polémica com ninguem, garanto que daqui sairá
uma solução. Estavamos a cair numa situação muito má e,
na prática, o que se passava é que se estava a fazer
pouco.
EXP. - Mas ninguem tem o
retrato do que se passou nestes 20 anos.
D.S. - Objectivo,
não. Temos indicações precisas que os comportamentos de
risco aumentaram. Por exemplo, o número de estudantes
que consome alcool não aumentou muito, mas aumentou o
tipo de bebeidas que consomem. Aumentou o número de
estudantes que consome drogas e alguns com consequências
preocupantes. Não é possível continuar a ignorar que 20
por cento dos estudantes consome haxixe! Não se faz
nada? É considerado uma coisa sem importância? Isto tem
de ser discutido nas escola. Com acções dispersas e sem
continuidade, não teríamos uma acção segura sobre esta
área. Há muita coisa a fazer. E não podemos parar.
EXP. - Está optimista em
relação à capacidade de reacção das escolas?
D.S. - Sim. As
escolas ainda não têm preparação, mas têm sensibilidade
e interesse. Há dificuldades, claro. Nomeadamente na
relação com os pais, porque as escolas não têm treino de
colaboração entre pais e professores. Também temos de
mudar isso, mas esta é uma boa área para trabalhar,
porque é um assunto difícil para todos. Por exemplo, se
numa escola os professores sentirem que a questão da
contracepção — que é evidente que tem de ser dada — tem
de ser transmitida com maior precaução, acho
perfeitamente adequado.
EXP. - A contracepção tem
de ser dada a partir de que idade?
D.S. - A partir do 3º
ciclo.
EXP. - Como psiquiatra,
acha que os jovens de agora têm menos informação?
D.S. - Têm claramente
mais informação, mas as situações de risco são tão
grandes e tão diversificadas que a informação não lhes
permite ter uma actuação adequada. Por exemplo, a
Internet.
EXP.- E o que defende em
relação a isso?
D.S. - Vigilância dos
pais e da escola. É impossível controlar tudo, mas os
pais têm de saber bastante, têm de se preocupar e de
exercer vigilância. Sou a favor dos pais impedirem o
acesso dos filhos a sites inadequados, informando-os de
que o fizeram e quais as razões. A opinião dos pais é
sempre muito importante, mesmo que depois os filhos lhes
desobedeçam, porque fica sempre presente que os pais
estão contra. Isso é muito estruturante. A Educação deve
fornecer frustração também. As crianças e os jovens têm
de perceber que há coisas que os pais acham que eles não
devem fazer e coisas que não podem fazer. E este
espírito também passa para a escola, para os
professores. Não podemos dizer que sim sempre aos
alunos. A escola também tem de exigir sacrifício. Admito
que alguns alunos considerem estes conteúdos da Educação
para a Saúde uma seca. Mas são importantes.
EXP.- Não é para si
admissível a objecção de consciência invocada pelos pais
para as matérias de educação sexual? Nomeadamente, em
relação a sectores mais fundamentalistas que não querem
que a escola fale de contracepção e de aborto.
D.S. - Não é
admissível esconder informação por parte da escola. Mas
acho também que a escola não deve encorajar determinados
comportamentos. A escola deve falar das vantagens e dos
inconvenientes dos métodos contraceptivos, mas não deve
dizer qual o método a usar. Não deve transmitir a
necessidade de determinados comportamentoos. Deve dar
informação que permita optar da forma mais livre
possível. Não se pode esconder parte da informação, por
isso mesmo. O mesmo é falar de homossexualidade. Mas não
se pode esconder numa escola que existe. Porque há
alunos homossexuais, muitas vezes vítimas de grande
violência, até de ordem física. Ora, também não se deve
dizer que a homossexualidade é uma coisa muito simples,
ou que é uma escolha, porque isso é errado
cientificamente. A homossexualidade é um percursos que
muitas pessoas seguem devido a múltiplas causas. Não é
uma coisa que se escolhe livremente, como se escolhe um
clube. A informação deve ser pertinente, actual, baseada
na ciência. A opção de cada um deve ser deixada ao seu
critério. Quando os pais dizem que recusam que o seu
filho aprenda isto, estão a prejudicar a socialização do
seu filho e amputam-no da informação.
EXP.- Não sentiu
fundamentalismo em relação a este trabalho?
D.S. - Costumo dizer
que é uma área muito sensível. Não quero adjectivos.
Percebo que é uma área difícil para muitos pais, que têm
dificuldade em falar com os seus filhos sobre isto. Eu
acho isso natural. Eu já tive a dificuldade como pai em
falar deste tema com os meus filhos. Há sempre nesta
área uma reserva de intimidade que é difícil. Por isso é
mais fácil fazê-lo na escola, que não está tão envolvida
emocionalmente. Há uma distanciação que favorece.
EXP. - Que destino deve
ser dado às Linhas Orientadoras sobre Educação Sexual
traçadas pelo Ministério?
D.S. - Neste momento,
não são um documento muito útil, porque a nova dinâmica
que se pretende imprimir é de uma Educação para a Saúde.
EXP. - Porque defende o
fim dos protocolos com as três ONGs que até agora se
encarregravam desta área?
D.S. - Porque a
Educação para a Saúde deve ser uma obrigatoriedade do
Ministério. A cessação dos protocolos decorre desta
premissa: para quê recorrer ao exterior, se temos no
interior da escola as potencialidades de cumprir este
programa? Está errado que o Ministério se demita desta
responsabilidade e a entregue a uma organização externa.
EXP. - Está explícita uma
crítica ao que o Governo fez...
D.S. - Completamente.
A minha crítica não é às organizações não
governamentais, porque não tivemos tempo para fazer uma
análise exaustiva do trabalho realizado por elas.
Forneceram-nos dados muito pouco precisos sobre o número
de sessões e de formandos, mas não houve uma avaliação
qualitativa do seu trabalho e estamos há vários anos à
espera de resposta de um inquérito feito pelo próprio
Ministério. Pedimo os dados muitas vezes e não nos foram
dados. Em rigor não podíamos fazer uma crítica ao
trabalho dessas organizações.
EXP. - Mas as conclusões
da comissão não registam uma crítica implícita a essas
organizações?
D.S. - A crítica que
pode haver é que essas organizações estão no terreno há
muito tempo e os resultados não são bons em termos de
diminuição dos comportamentos de risco entre os jovens.
Mas a culpa não é só dessas organizações, é da própria
escola, das famílias. A minha principal crítica vai para
todos os Ministérios que delegaram nas ONGs uma
responsabilidade que devia ser dele.
EXP. - E nem sequer se
acautelou a avaliação do que foi feito. Continua a ser
um mistério que Educação Sexual foi transmitida e para
quantos alunos ao longo dos últimos 20 anos...
D.S. - No relatório
final falaremos sobre isso. Mas se concluirmos que o
trabalho realizado foi magnífico, tiraríamos a mesma
conclusão: porque não faz sentido gastar dinheiro,
quando a escola está capacitada para dar uma resposta.
EXP. - E em relação aos
manuais em circulação?
D.S. - Conheço alguns
dos materiais que o EXPRESSO divulgou. Não concordo com
muito do que lá vem, pode ferir a sensibilidade das
pessoas. Mas essa não é a questão fundamental. Quando
falamos com pais, professores e alunos, nunca surgiu a
questão dos manuais... Apareceu em algumas entrevistas
com associações de pais. Por isso, não privilegiados
para já a análise dos manuais, porque achamos que era
primeiro necessário dar uma resposta articulada de como
se vai organizar na escola nesta educação para a saúde.
Mas apelamos para que se façam manuais já tendo em conta
esta dinâmica e orientados para a Educação para a saúde
em meio escolar, onde deve estar incluído o alcool, as
drogas, a violência, a alimentação. Tem de ser muito
mais completos.
EXP.- E acha que os
manuais devem ser certificados?
D.S. - Sim, por um
grupo de peritos, com médicos, psicólogos, enfermeiros.
Deve ser nomeado pelo Ministério para avaliar os
conteúdos dos manuais, depois de o Ministério definir os
conteúdos curriculares.