Diário de Notícias
- 6 Nov 05
Menos apoios e cada
vez menos crianças
Céu neves
Quebra de natalidade em Portugal parece um
caminho sem regresso. Faltam incentivos
acima da média. Madalena, o marido e os
três filhos só fogem à regra por serem tantos, o dobro do habitual no País.
Dificuldades também duplicam
Madalena Lopes tem 39 anos, 22 dos quais a fazer contas ao ordenado e a correr
entre a casa (Setúbal) e o trabalho (Lisboa). Funcionária pública, com um
salário médio, não tem direito a subsídios extra, mas o dinheiro só chega para o
essencial. O seu único luxo é o facto de ter três filhos, o dobro da
média portuguesa. Em Portugal, o panorama é desanimador os salários são baixos,
os apoios do Estado fracos, continuando a verificar-se uma quebra de natalidade,
ao contrário de outros países da UE, sobretudo do Norte e Centro. O Governo diz
que vai avaliar a situação e só depois tomará medidas.
A família da Madalena corresponde ao perfil da classe média portuguesa traçado
pela socióloga Maria das Dores Guerreiro. É o grupo social onde se sente a maior
quebra de natalidade. "Os filhos representam um grande investimento e as
famílias estão absorvidas com a angariação de meios para o orçamento familiar, o
que as obriga a trabalhar muito mais. Temos a maior taxa de actividade da UE de
mulheres com filhos menores. A classe média não tem salários elevados, mas
ultrapassa os escalões exigidos para os apoios sociais", explica.
Os agregados mais numerosos correspondem às franjas da sociedade os mais pobres
(menor controlo da natalidade e investimento na educação) e os mais ricos (mais
recursos).
Madalena confessa que os filhos, de 21, 14 e nove anos de idade, surgiram sem
equações prévias. "Se tivesse pensado muito, só teria um", reconhece. Progrediu
na carreira, trabalha nas edições da Universidade Aberta e o orçamento familiar
ronda os 2200 euros mensais, mas o marido trabalha por conta própria em
ourivesaria e não tem subsídios de Natal ou de férias. Recebem 76 euros de abono
familiar e o filho mais velho, que está no ensino superior, ainda não sabe o
valor da bolsa. Se esta família residisse na Dinamarca, Bélgica ou França, tudo
seria bem diferente (ver páginas seguintes).
"As políticas da família só começaram a existir em Portugal a partir de 1997,
com os planos nacionais de emprego. E eram uma prioridade definida pela UE. A
medida mais significativa foi o investimento no pré-escolar, a rede pública
duplicou, cobrindo actualmente 97 a 98% da população. As licenças de
paternidade/maternidade e os abonos de família representam pouco no orçamento
familiar", explica Dores Guerreiro.
Em contrapartida, as despesas são muitas e variadas, como acontece em casa de
Madalena Lopes. "Não sinto diferenças entre agora e há 20 anos. Quero dar-lhes
mais qualidade de vida e sempre senti muitas dificuldades. Além de que éramos
três, agora somos cinco."
O filho mais novo já não foi para o ATL como os irmãos. Seriam mais 230 euros
por mês e o mais velho paga 120 euros de propinas por ano. Esta factura só não é
mais pesada porque estuda Contabilidade e Finanças no Politécnico de Setúbal,
não paga transportes nem almoços. É o único com mesada.
Madalena sabe de cor o valor de cada despesa doméstica, a começar pelos 107
euros do passe de transportes entre Setúbal e Lisboa e os mil euros de
alimentação por mês. Juntam-se-lhe a prestação da casa, telefones, água, luz,
gás, gasolina, a Internet e dois canais da TV codificados, "o luxo da família",
refere. E uma refeição no restaurante aos fins-de-semana. Mais nada. No último
Verão, a máquina de lavar roupa avariou-se e já não foi possível fazerem a
semana de férias no Algarve, o destino mais longe para onde já viajaram.
Madalena faz sete refeições por dia (jantar e almoços), com início às 7.30 da
manhã e fim às 24.00. Ao fim-de-semana é a limpeza da casa, as compras e a
passagem a ferro da roupa. As tarefas são divididas com o marido e, agora, o
mais velho já ajuda, nomeadamente a ir buscar o mais novo à escola. Esta é a
melhoria dos últimos anos. A outra foi a construção da Ponte Vasco da Gama.
Demora um terço do tempo a chegar ao trabalho.