Público - 10 Nov 05

O essencial e o detalhe
José Manuel Fernandes

Era mais inteligente o PSD abster-se na votação do OE, propondo alternativas às políticas que critica

O debate orçamental começou num clima muito especial que, infelizmente, não foi compreendido de forma responsável pelo principal partido da oposição, o PSD. Só isso explica que tenha anunciado a sua intenção de votar contra o documento, depois de, num primeiro momento, ter aplaudido a sua orientação geral.
O que é que o PSD não entendeu?
Primeiro, que existe um desejo real que este Orçamento funcione, isto é, que as metas nele estabelecidas sejam cumpridas. Não porque todos os que se preocupam com o estado das contas públicas concordem com tudo o que o Orçamento implica, mas porque todos convergem na ideia de que, neste momento, é necessário juntar forças no sentido de cumprir as metas, exigentes, do Pacto de Estabilidade e Crescimento entregues ainda pelo anterior ministro das Finanças em Bruxelas e a que este Orçamento é fiel.
Segundo, que há dois problemas centrais no OE que pediam do PSD uma atitude construtiva e não uma crítica sem alternativas. O primeiro é a insuficiente contenção da despesa pública compensada por um aumento efectivo da carga fiscal, designadamente sobre os rendimentos dos reformados, aumento que vai para além do que já tinha sido anunciado e corresponde a um novo incumprimento das promessas eleitorais e a uma má escolha política, pois os portugueses já pagam demasiados impostos. O segundo problema é que este é um Orçamento de risco, isto é, muito difícil de executar, já que será difícil atingir a meta prevista para o aumento das exportações e ainda mais difícil perceber como conseguirá o Executivo reorganizar os serviços públicos por forma a que funcionem melhor e custem menos ao contribuinte.
Terceiro, o PSD deveria compreender que, mesmo discordando de aspectos importantes do Orçamento, este procura atingir objectivos de redução da despesa pública que são, no essencial, coincidentes com os prosseguidos no tempo de Manuela Ferreira Leite. Se o PSD acredita que esses objectivos são positivos, se está consciente de que isso implica sacrifícios e pode suscitar fortes reacções corporativas, então deveria colocar-se do lado do Governo, não enviar uma mensagem equívoca que pode dar alento aos que se entrincheiram por detrás dos seus privilégios.
O PSD deveria pois, pelo menos para já, dar o benefício da dúvida, abstendo-se ou, pelo menos, anunciando que se abstinha na votação na generalidade, guardando para depois da discussão na especialidade e da eventual aprovação pela maioria de algumas das suas propostas uma decisão sobre a votação final. Na especialidade o PSD devia fazer aquilo que nenhum partido da oposição está habituado a fazer em Portugal: dizer onde se deve cortar mais na despesa para evitar os aumentos de impostos que critica com razão. Tal como devia insistir na proposta de um pacto de colaboração com a maioria no esforço de consolidação das contas públicas, o que poderia passar por uma proposta de aumento das competências parlamentares no domínio do acompanhamento da execução orçamental. Ou seja, se este Orçamento é difícil de concretizar, e se permanecem áreas nebulosas e contradições que o Governo ainda não explicou, o PSD devia dizer que trocava a sua abstenção - o que seria sempre um importante sinal político - pela exigência de maior transparência nas contas públicas.
Esta solução seria coerente com a proposta de pactos feita por Marques Mendes na votação do programa do Governo. Em contrapartida, votando contra este Orçamento com argumentos de detalhe, o PSD permite que o primeiro-ministro continue a responder de forma agressiva no Parlamento e os portugueses até lhe perdoem. Basta olhar para as sondagens

 

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