Público - 10 Nov 05

PS inviabiliza alteração da lei do aborto por via parlamentar
Nuno Sá Lourenço

Socialistas votaram ao lado do PSD e CDS
no requerimento do
Bloco de Esquerda

O PS travou ontem a alteração da lei do aborto por via parlamentar, proposta pelo Bloco de Esquerda e secundada pelo PCP. Ao lado dos socialistas, no voto contra, estiveram PSD e CDS.
O chumbo ocorreu na Comissão de Assuntos Constitucionais, onde dera entrada um requerimento do Bloco de Esquerda.
A justificação para o voto socialista foi feita pelo deputado Vitalino Canas, tendo afirmado que o projecto de lei em causa, já aprovado e em condições de discussão na especialidade, estava associado ao processo de referendo - o que impede a alteração da lei até Setembro de 2006. "Antes disso este projecto de lei não poderá avançar, até porque desde o início está associado ao projecto de resolução do referendo e deve aguardar que haja oportunidade de o realizar."
O vice-presidente do grupo parlamentar do PS garantiu que, no início da segunda sessão legislativa, o PS voltaria a apresentar uma proposta de referendo, referindo-se a esta como "um compromisso eleitoral" e lembrando que tal não acontecera ainda devido a "questões de natureza processual".
A defesa do requerimento do BE foi feita pelo deputado do BE Fernando Rosas, que alertou, desde logo, para a demora inevitável que todo o processo iria sofrer. "A realização de um referendo sobre o aborto nunca ocorrerá em 2006", afirmou, para sublinhar que só em 2007 haveria condições para a realização de um referendo.
Fernando Rosas salientou ainda que o Parlamento ficaria "sem política para a questão da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)" durante mais de um ano. "Isto significa o arrastar de uma situação muito dramática e muito grave para muitas mulheres", sublinhou Rosas, antes de argumentar que nada garante que venha a haver referendo. O deputado acenou até com o risco da eleição de um chefe de Estado "que seja contra a sua realização".
Através de Luís Montenegro, o PSD optou por se limitar a recordar que estaria sempre contra uma alteração da legislação sobre o aborto pelo Parlamento sem recurso a referendo.
Mais violento sobre a possibilidade de alteração por via parlamentar foi Nuno Magalhães. "Seria um dia negro para a democracia portuguesa", começou por afirmar, antes de acrescentar que essa solução "seria ultrapassar pela esquerda a democracia, o voto popular, desrespeitar os 30 por cento de portugueses que votaram" na consulta popular de 1998, em que venceu o "não" à despenalização.
O deputado comunista António Filipe reagiu à argumentação do CDS lembrando que o resultado do referendo de 1998 não era vinculativo. "A maioria dos eleitores, 70 por cento, não quis decidir, restituindo a competência para o órgão próprio: a Assembleia da República", afirmou. Na opinião do PCP, não discutir a matéria era "manter o processo em banho-maria e recusar-se a resolver a questão".
O requerimento do BE, chumbado ontem, propunha que o projecto de lei do PS que despenaliza o aborto realizado nas primeiras dez semanas de gravidez, o único diploma aprovado na generalidade sobre este assunto, seguisse para discussão na especialidade.
Apesar de desde o início deste processo o BE ter apoiado a realização de um referendo, avisou que só esperaria até ao final de 2006 pela sua convocação. Caso esta não viesse a acontecer, avançaria com a via parlamentar. O requerimento surge na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional, que entendeu ser inconstitucional uma segunda proposta de referendo - depois do veto de Jorge Sampaio no início do ano - por entender que o Parlamento estava ainda na mesma sessão legislativa.

 

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