Público - 11 Nov 05

O cartel

A comercialização de medicamentos fora das farmácias aumenta o número de estabelecimentos
a vender aqueles produtos e baixa os preços.
O que agrada a toda a gente, menos às farmácias

As pressões e as ameaças exercidas pelas farmácias para que armazenistas e laboratórios se recusem a fornecer medicamentos aos comerciantes que pretendem vender remédios não sujeitos a receita médica são absolutamente inadmissíveis num Estado de direito. O Estado não pode aceitar uma retaliação deste tipo por parte de um sector que se considera perseguido pelo facto de o Governo ter decido acabar com o monopólio de venda destes produtos.
São os próprios grossistas a confessar que as farmácias estão descaradamente a boicotar a distribuição de medicamentos, quando nenhum deles se pode recusar a vender os seus produtos a estabelecimentos devidamente licenciados para o efeito. Mais: lojistas afirmam que uma empresa distribuidora de medicamentos adquirida pela Associação Nacional de Farmácias tem vindo a recusar-se a fornecer os seus produtos aos estabelecimentos de venda livre com base no argumento de que as farmácias ameaçam mudar de fornecedor.
Aquela associação representa apenas a esmagadora maioria das 2800 farmácias do país e os farmacêuticos controlam mais de metade do mercado de distribuição de medicamentos em Portugal, o que muito contribui para uma eventual cartelização do sector, como não se cansa de dizer o ministro da Saúde. E o Governo ainda nem sequer deu sinais concretos de estar disposto a alterar outro incompreensível estatuto de monopólio dos farmacêuticos em Portugal: a abertura de uma farmácia no país continua subordinada a um rácio populacional e à obrigação de o seu proprietário ser um licenciado em Farmácia. O que fará a Associação Nacional de Farmácias em caso de liberalização da abertura destes estabelecimentos?
É claro que lojistas podem comprar os medicamentos directamente aos laboratórios. Mas nenhum pequeno lojista jamais conseguirá obter os descontos que os armazenistas obtêm, quando compram em grandes quantidades. Resta-nos a capacidade reguladora de um organismo como a Autoridade da Concorrência. Ainda bem que neste país existe um organismo como aquele, independente e eficaz, que se preocupa com o bem público e que tem dado provas inequívocas de combate à concentração e à cartelização, seja no sector das telecomunicações, seja no sector farmacêutico, que acarretam as penalizações do costume para os consumidores.
Aquele organismo presidido por Abel Mateus tem exercido um papel de regulação em sectores importantes da sociedade portuguesa e aplicado multas de valores inéditos, como aconteceu com as farmacêuticas suspeitas de cartelização, que assim dividiam o mercado entre si, combinando preços com que se candidatavam a concursos públicos. Mas o exemplo não terá sido suficientemente dissuasor para as farmácias. A concorrência, como diz Abel Mateus, é a melhor forma de o consumidor obter o melhor preço e a venda livre de medicamentos fora das farmácias é uma medida amiga da concorrência, porque aumenta o número de empresas que oferecem esses produtos. O que agrada a toda a gente, menos às farmácias. amílcar correia

 

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