O
cartel
A comercialização de medicamentos fora das
farmácias aumenta o número de estabelecimentos
a vender aqueles produtos e baixa os preços.
O que agrada a toda a gente, menos às farmácias
As pressões e as ameaças
exercidas pelas farmácias para que armazenistas
e laboratórios se recusem a fornecer
medicamentos aos comerciantes que pretendem
vender remédios não sujeitos a receita médica
são absolutamente inadmissíveis num Estado de
direito. O Estado não pode aceitar uma
retaliação deste tipo por parte de um sector que
se considera perseguido pelo facto de o Governo
ter decido acabar com o monopólio de venda
destes produtos.
São os próprios grossistas a confessar que as
farmácias estão descaradamente a boicotar a
distribuição de medicamentos, quando nenhum
deles se pode recusar a vender os seus produtos
a estabelecimentos devidamente licenciados para
o efeito. Mais: lojistas afirmam que uma empresa
distribuidora de medicamentos adquirida pela
Associação Nacional de Farmácias tem vindo a
recusar-se a fornecer os seus produtos aos
estabelecimentos de venda livre com base no
argumento de que as farmácias ameaçam mudar de
fornecedor.
Aquela associação representa apenas a esmagadora
maioria das 2800 farmácias do país e os
farmacêuticos controlam mais de metade do
mercado de distribuição de medicamentos em
Portugal, o que muito contribui para uma
eventual cartelização do sector, como não se
cansa de dizer o ministro da Saúde. E o Governo
ainda nem sequer deu sinais concretos de estar
disposto a alterar outro incompreensível
estatuto de monopólio dos farmacêuticos em
Portugal: a abertura de uma farmácia no país
continua subordinada a um rácio populacional e à
obrigação de o seu proprietário ser um
licenciado em Farmácia. O que fará a Associação
Nacional de Farmácias em caso de liberalização
da abertura destes estabelecimentos?
É claro que lojistas podem comprar os
medicamentos directamente aos laboratórios. Mas
nenhum pequeno lojista jamais conseguirá obter
os descontos que os armazenistas obtêm, quando
compram em grandes quantidades. Resta-nos a
capacidade reguladora de um organismo como a
Autoridade da Concorrência. Ainda bem que neste
país existe um organismo como aquele,
independente e eficaz, que se preocupa com o bem
público e que tem dado provas inequívocas de
combate à concentração e à cartelização, seja no
sector das telecomunicações, seja no sector
farmacêutico, que acarretam as penalizações do
costume para os consumidores.
Aquele organismo presidido por Abel Mateus tem
exercido um papel de regulação em sectores
importantes da sociedade portuguesa e aplicado
multas de valores inéditos, como aconteceu com
as farmacêuticas suspeitas de cartelização, que
assim dividiam o mercado entre si, combinando
preços com que se candidatavam a concursos
públicos. Mas o exemplo não terá sido
suficientemente dissuasor para as farmácias. A
concorrência, como diz Abel Mateus, é a melhor
forma de o consumidor obter o melhor preço e a
venda livre de medicamentos fora das farmácias é
uma medida amiga da concorrência, porque aumenta
o número de empresas que oferecem esses
produtos. O que agrada a toda a gente, menos às
farmácias. amílcar correia