Público - 12 Nov 05
Cair na realidade
José Manuel Fernandes
As propostas do Governo para rever o regime do
subsídio de desemprego são antieconómicas
Os relatórios internacionais são
unânimes: em Portugal é demasiado difícil despedir
um trabalhador. Esses relatórios - da OCDE, do Banco
Mundial, de várias organizações que analisam a
competitividade das economias - convergem noutro
ponto: o facto de só em circunstâncias muito
excepcionais se poder despedir trabalhadores diminui
a nossa capacidade de atrair investimentos e de
aumentar a produtividade das empresas.
Na prática, muitos portugueses sabem que em Portugal
despedir um trabalhador não é tão difícil como se
deduz da leitura estrita da lei. Sabem até que às
vezes a precariedade é a regra, não a excepção.
Contudo, isso sucede sobretudo entre os
trabalhadores menos qualificados, nos sectores menos
produtivos e onde se usa e abusa do contrato a
prazo. Os mais afectados são, por isso mesmo, os
mais novos e os que são mais mal pagos.
São situações de uma enorme perversidade. Por um
lado, empresas que necessitam de renovar os seus
quadros, de contratar novas competências, só
conseguem fazê-lo sem criar crises sociais se
estiverem em sectores em expansão. Por outro lado,
enquanto muitas empresas são obrigadas a conservar
trabalhadores que andam a "limpar o pó às
secretárias", o desemprego atinge números mais
elevados entre os jovens, especialmente entre os
jovens licenciados. Estas distorções, além de
socialmente injustas, tolhem o crescimento
económico, pois as empresas receiam contratar
trabalhadores e ficar com eles para sempre, a não
ser que iniciem complexos processos burocráticos de
despedimento colectivo.
Para contornar esta rigidez, sem violar a lei ou os
direitos dos trabalhadores, muitas empresas preferem
negociar acordos amigáveis de rescisão dos contratos
de trabalho. Para isso chegam a pagar indemnizações
bem acima das legalmente estabelecidas, fazendo-o
para manter um mínimo de paz social. E os
trabalhadores que aceitam esses acordos fazem-no
sabendo que, uma vez no desemprego, a Segurança
Social lhes assegura um subsídio que, mesmo podendo
ser muito inferior ao que ganhavam quando estavam a
trabalhar (o máximo que pode ser pago é o
equivalente a três salários mínimos), lhes
proporciona uma "almofada" para poderem, entretanto,
procurar outros empregos.
Ora este mecanismo, dos poucos que permitiam alguma
flexibilidade laboral, pode acabar se o Governo
retirar aos trabalhadores que rescindam os seus
contratos por mútuo acordo o direito de acesso à
protecção social no desemprego. Será um erro grave,
pois tornará mais difícil a vida de muitas empresas,
levará outras a adoptar medidas mais gravosas para
os trabalhadores e tornará ainda menos atractivo
qualquer tipo de investimento. Até porque as
excepções previstas no documento apresentado aos
parceiros sociais são tão bizantinas que pouco
impacto prático terão.
É indiscutível que a situação da Segurança Social
não autoriza nem aconselha qualquer largueza nos
regimes de protecção no desemprego. Mas tornar ainda
mais rígido o mercado laboral tem o resultado que
está à vista em boa parte da Europa: por regra
traduz-se em mais desemprego. O que significa que se
poupam uns tostões hoje para pagar uns milhões
amanhã.
Há pois um equilíbrio mínimo a manter. Se é
necessário gastar menos recursos com os subsídios de
desemprego, então que se flexibilizem um pouco mais
(e flexibilizar não é sinónimo de liberalizar...) as
condições em que os despedimentos são legais. Basta
algum bom senso e perceber que só com mais dinamismo
e mobilidade social as empresas podem ser mais
competitivas e criar mais empregos. Trata-se de
"cair na real", como diriam os brasileiros.