Expresso - 12 Nov 05

A teia gigante

Daniel Amaral

«Experimentem puxar um fio: vem um nó a seguir. Experimentem protestar de um lado: vem um protesto do outro. Eis o que se exige ao Governo: que estude as estrelas, que seleccione os caminhos, que desate os nós e os laços, que nos retire do labirinto.»

A FORMA como está a ser discutido o OE-06, e o défice nele implícito, revela uma faceta curiosa do nosso comportamento colectivo. Defende-se o corte nas despesas em vez do aumento das receitas, mas os autarcas protestam porque se cortou demais. Argumenta-se que a existência de Scut é um contra-senso, mas os visados rejeitam liminarmente as portagens. Propõe-se a redução de despesas através da moderação salarial, mas os sindicatos ameaçam com greves se tal vier a suceder. As pessoas não sabem o que querem.

Se passarmos para o lado da economia, a confusão é a mesma, mas com personagens diferentes. É notório que a poupança interna não chega para financiar o investimento. Logo, uma de duas: ou cortamos no investimento ou recorremos à dívida. Recorremos à dívida: a do Estado já excede 60% da riqueza nacional; a das famílias vai em 83% desta riqueza, o que é o mesmo que 118% do rendimento disponível. Um dia destes, quando as taxas de juro subirem, vai haver uma tragédia. O país é um gastador compulsivo.

O desencanto arrasta-nos para o desenvolvimento económico, que choramos sem cessar. Olhamos as várias regiões do globo e elas lá vão crescendo, melhor ou pior. Só a Europa não. E Portugal, pequenino e sem ideias, lá vai na última carruagem do comboio europeu. O curioso é que o nosso crescimento potencial, da ordem dos 2% ao ano, é apesar de tudo superior ao crescimento real, que este ano deverá ficar-se por um quarto disto. Porquê a cerimónia? A economia não aproveita o que tem.

Daqui passamos à ordem externa, outro drama colectivo. Sabemos que as importações são maiores e quase sempre crescem mais do que as exportações, o que significa um desequilibrar contínuo da balança de pagamentos. Mas não vemos como sair disto: endividamo-nos porque consumimos de mais, roubando espaço ao financiamento do investimento; e endividamo-nos porque exportamos de menos, agravando a inoperância do aparelho produtivo. As empresas são incapazes de competir.

Será um problema de salários? É provável que sim. É verdade que a nossa remuneração por trabalhador não excede 50% da média europeia, valor que sobe para uns 66% quando utilizamos a paridade do poder de compra. É um salário de miséria. O que sucede é que, ao associarmos à remuneração média a média da produtividade, chegamos a um peso do factor trabalho que é superior a 50% do PIB, um número manifestamente excessivo. Os trabalhadores ganham mais do que justificam.

Será um problema de investimento? Talvez seja. É verdade que, com uma taxa da ordem dos 23% do PIB, nós temos vindo a investir muito mais do que a Europa do euro, com taxas médias que não excedem os 20%. Mas uma coisa são aplicações de capital, outra coisa são níveis de desenvolvimento. E aqui, uma vez mais, o país é uma lástima. Traduzindo: nós gastamos dinheiro em rotundas e estádios de futebol, que se esgotam em si mesmos; os outros estudam e seleccionam projectos reprodutivos. Faz toda a diferença. Portugal não sabe investir.

A confusão é de tal ordem que o país ficou envolto numa teia gigante de que não consegue libertar-se. Parece um mundo de loucos: deputados e governantes, autarcas e munícipes, pobres e endinheirados, empresários e trabalhadores. Experimentem puxar um fio: vem um nó a seguir. Experimentem protestar de um lado: vem um protesto do outro. Eis o que se exige ao Governo: que estude as estrelas, que seleccione os caminhos, que desate os nós e os laços, que nos retire do labirinto.

Precisamos de voltar a sonhar.

d.p.amaral@gmail.com

[anterior]