«Experimentem puxar
um fio: vem um nó a seguir. Experimentem protestar de um
lado: vem um protesto do outro. Eis o que se exige ao
Governo: que estude as estrelas, que seleccione os caminhos,
que desate os nós e os laços, que nos retire do labirinto.»
A FORMA como está a ser discutido o
OE-06, e o défice nele implícito, revela uma faceta curiosa
do nosso comportamento colectivo. Defende-
se
o corte nas despesas em vez do aumento das receitas, mas os
autarcas protestam porque se cortou demais. Argumenta-se que
a existência de Scut é um contra-senso, mas os visados
rejeitam liminarmente as portagens. Propõe-se a redução de
despesas através da moderação salarial, mas os sindicatos
ameaçam com greves se tal vier a suceder. As pessoas não
sabem o que querem.
Se passarmos para o lado da economia, a
confusão é a mesma, mas com personagens diferentes. É
notório que a poupança interna não chega para financiar o
investimento. Logo, uma de duas: ou cortamos no investimento
ou recorremos à dívida. Recorremos à dívida: a do Estado já
excede 60% da riqueza nacional; a das famílias vai em 83%
desta riqueza, o que é o mesmo que 118% do rendimento
disponível. Um dia destes, quando as taxas de juro subirem,
vai haver uma tragédia. O país é um gastador compulsivo.
O desencanto arrasta-nos para o
desenvolvimento económico, que choramos sem cessar. Olhamos
as várias regiões do globo e elas lá vão crescendo, melhor
ou pior. Só a Europa não. E Portugal, pequenino e sem
ideias, lá vai na última carruagem do comboio europeu. O
curioso é que o nosso crescimento potencial, da ordem dos 2%
ao ano, é apesar de tudo superior ao crescimento real, que
este ano deverá ficar-se por um quarto disto. Porquê a
cerimónia? A economia não aproveita o que tem.
Daqui passamos à ordem externa, outro
drama colectivo. Sabemos que as importações são maiores e
quase sempre crescem mais do que as exportações, o que
significa um desequilibrar contínuo da balança de
pagamentos. Mas não vemos como sair disto: endividamo-nos
porque consumimos de mais, roubando espaço ao financiamento
do investimento; e endividamo-nos porque exportamos de
menos, agravando a inoperância do aparelho produtivo. As
empresas são incapazes de competir.
Será um problema de salários? É provável
que sim. É verdade que a nossa remuneração por trabalhador
não excede 50% da média europeia, valor que sobe para uns
66% quando utilizamos a paridade do poder de compra. É um
salário de miséria. O que sucede é que, ao associarmos à
remuneração média a média da produtividade, chegamos a um
peso do factor trabalho que é superior a 50% do PIB, um
número manifestamente excessivo. Os trabalhadores ganham
mais do que justificam.
Será um problema de investimento? Talvez
seja. É verdade que, com uma taxa da ordem dos 23% do PIB,
nós temos vindo a investir muito mais do que a Europa do
euro, com taxas médias que não excedem os 20%. Mas uma coisa
são aplicações de capital, outra coisa são níveis de
desenvolvimento. E aqui, uma vez mais, o país é uma lástima.
Traduzindo: nós gastamos dinheiro em rotundas e estádios de
futebol, que se esgotam em si mesmos; os outros estudam e
seleccionam projectos reprodutivos. Faz toda a diferença.
Portugal não sabe investir.
A confusão é de tal ordem que o país
ficou envolto numa teia gigante de que não consegue
libertar-se. Parece um mundo de loucos: deputados e
governantes, autarcas e munícipes, pobres e endinheirados,
empresários e trabalhadores. Experimentem puxar um fio: vem
um nó a seguir. Experimentem protestar de um lado: vem um
protesto do outro. Eis o que se exige ao Governo: que estude
as estrelas, que seleccione os caminhos, que desate os nós e
os laços, que nos retire do labirinto.
Precisamos de voltar a sonhar.
d.p.amaral@gmail.com