O Governo tem, sem dúvida, uma imagem de
sensatez e seriedade. Colocando o equilíbrio
de médio prazo à frente da popularidade
imediata, trava dura luta contra interesses
instalados que acumularam benefícios
injustos e insustentáveis. Mas noutro campo,
inversamente, tem vindo a agravar, com
miopia e insensatez, um outro grave problema
estrutural.
Portugal vive forte desequilíbrio social,
manifesto no descontrolo do orçamento. Na
última década certos grupos aproveitaram a
miopia política para capturar dinheiros
públicos muito superiores ao seu contributo
para o desenvolvimento. Esta corporatização
gerou uma explosão da despesa do Estado que
esmaga a economia produtiva. O Governo
diagnosticou-o como grande problema
estrutural e começou a atacá-lo. A luta será
longa, mas são de louvar a perspicácia e
coragem.
Considerando um horizonte mais largo, porém,
as questões mudam de natureza. O verdadeiro
problema nacional de fundo é, não o
orçamento ou a competitividade, mas a
decadência da população. Com forte queda da
natalidade, o país acumula gravíssimas
dificuldades que vão explodir e se
manifestam já no emprego, segurança social,
ensino, saúde e até nas finanças. Das
escolas sem alunos ao envelhecimento e
desertificação, os dramas crescem. O anexo
ao Orçamento para 2006 traça o cenário negro
da «sustentabilidade da segurança social». O
quadro só não é pior graças à imigração que
suporta crescentemente a economia e
natalidade. Mas traz consigo outros
problemas, como a sustentabilidade da
cultura e identidade portuguesas.
Perante tão terríveis perspectivas seria de
esperar uma forte promoção da família, como
fazem os parceiros europeus. Infelizmente o
Governo ignora-a. Desapareceu a Secretaria
de Estado da Família, e a queda da
natalidade só é referida uma vez no Programa
de Governo (ponto IV); aliás, para concluir
coisas como a «diversidade das situações
familiares», «critérios de justiça social»,
«perspectiva pró-igualitária» e «políticas
sociais de proximidade», chavões vagos e
alheios à questão.
A prática concreta ainda é pior. Preocupado
com a degradação de imagem pelas lutas
laborais contra as reformas, o Governo
procura reforçar os seus pergaminhos
esquerdistas com políticas familiares
abstrusas. A população portuguesa está em
decadência e ele pretende liberalizar o
aborto e legalizar a prostituição!
Mesmo quando parece tratar a questão, o
resultado é inverso. O parlamento discute
uma lei para regular a «procriação
medicamente assistida». É iniciativa
meritória, não só por ser uma rara medida a
favor da natalidade, mas sobretudo porque o
actual vazio legal tem dado aso às piores
depravações. Mas o projecto que a maioria se
prepara para aprovar inclui as maiores
infâmias: experiências científicas com
embriões (art. 7º), maternidade de
substituição (art. 6º e 27º), bancos de
esperma (art. 15º), doação de ovócitos (art.
24º), criação e congelação de embriões
excedentários (art. 21º). Portugal vai
repetir os horríveis crimes e dramas
pessoais e familiares que o abuso destas
técnicas causa em tantos países.
Como pode um Governo sensato passar ao lado
da principal questão nacional? A resposta é
simples: toda a gente sabe que ser contra a
libertinagem sexual e a favor do casamento é
conservador, retrógrado, obsoleto. Ora os
nossos políticos são todos progressivos e
modernos.
Nunca se deve esquecer que os maiores
horrores da História foram sempre cometidos
em nome da modernidade. Só os que julgam
encarnar o futuro se atrevem às destruições
mais radicais. Há umas décadas, em nome do
progresso, a Esquerda combatia as empresas e
o mercado. Hoje, como o Governo, aceita
essas instituições mas, em nome do mesmo
progresso, agride a família estável e o
casamento.
As gerações futuras, quando viverem em pleno
a decadência social, terão dificuldade em
entender as posições actuais sobre a
família. Tal como hoje não compreendemos que
as barbaridades nazis e marxistas tenham
parecido modernas e progressivas aos nossos
avós.