Diário de Notícias - 16 Nov 05

Avaliação excepcional pode passar repetentes

Pedro Sousa Tavares

 

Hipótese está prevista na lei para o básico. Ministério garante que é último recurso

 

Inverter tendências. Retenção pode tornar o insucesso escolar num círculo vicioso, dizem os especialistas

 

Jovens (18 a 24 anos) fora da escola, em 2001, sem o ensino básico. Percentagem que não concluiu o ensino secundário no mesmoano. 15 e 17 mil de abandonos anuais com o básico incompleto.

 

Os conselhos pedagógicos das escolas terão o poder de fazer passar de ano, numa "avaliação extraordinária", estudantes repetentes que se encontrem em vias de voltar a reprovar. A medida, que pode ser aplicada já a partir de Janeiro, consta do Despacho Normativo n.º 50/2005, do Ministério da Educação (ME), que vem definir um conjunto de estratégias para combater o insucesso e o abandono escolar no ensino básico, que leva a que, anualmente, entre 15 e 17 mil alunos deixem a escola sem terminarem o 9.º ano (ver caixas).

O artigo 4.º do referido despacho, assinado pelo secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, incide sobre a "retenção repetida" e estipula que os alunos do ensino básico que se encontrem em situação de reprovar de ano (três ou mais negativas), e que já tenham ficado retidos pelo menos uma vez ao longo do seu percurso escolar, terão uma última oportunidade, através de uma "avaliação extraordinária", a cargo dos conselhos pedagógicos das escolas, que ponderarão "as vantagens de nova retenção".

Ramos André, adjunto da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, disse ao DN que a medida se destina apenas a situações "excepcionais", depois de se terem esgotado todos os restantes mecanismos de recuperação. Mas a verdade é que o diploma não especifica sequer um limite de negativas a partir do qual o aluno esteja impedido de beneficiar desta possibilidade. Logo, pelo menos em teoria, qualquer repetente com maus resultados poderá passar de ano, se o conselho pedagógico da escola assim o entender.

O adjunto da ministra explicou ainda que este "é um mecanismo que já existiu" na lei e considerou "irrelevante" fazer estimativas sobre o número de estudantes que poderão beneficiar da medida, dado o seu carácter de último recurso "O objectivo é exactamente que esse mecanismo só apareça como supletivo, depois de todos os outros previstos no despacho. Pretende-se introduzir uma recuperação precoce", defendeu.

Apesar de tudo, a decisão de "retenção ou progressão do aluno" terá de ter em conta um conjunto de factores, como o processo individual do aluno, o balanço das actividades de enriquecimento e planos de recuperação aplicados e os pareceres de encarregados de educação e dos serviços. Para além de definir um plano de acompanhamento, uma decisão favorável poderá passar pelo encaminhamento do aluno para um percurso alternativo os chamados "cursos de formação", que dão ao estudante um certificado que poderá utilizar na vida profissional.

consenso obrigatório. Para José Canavarro, ex-secretário de Estado da Educação (do último Governo PSD), professor universitário e especialista na área do abandono escolar, esta não deixa de ser uma "solução administrativa para permitir o sucesso escolar". No entanto, pode ser admissível, dentro de certas condicionantes "Havendo alguma responsabilização a posteriori dos encarregados de educação, não me parece inaceitável. Não estou totalmente de acordo, mas a experiência diz --nos que o insucesso promove o insucesso", admitiu. No entanto, avisou, é indispensável que esta seja sempre uma "decisão consensual" e que passe por um "acompanhamento cuidado do aluno", sob pena de se estar a "adiar o problema por um ano".

De uma forma geral, José Canavarro considerou "positivo" o teor do despacho do ME, mas avisou que este vai obrigar a um investimento das escolas, "não só ao nível de docentes mas também de psicólogos e assistentes sociais".

 

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