Agência Ecclesia - 16 Nov 05
«Educação Sexual em meio escolar»
Parecer da Comissão Episcopal da Educação Cristã
Foi divulgado, para consulta pública, o “Relatório
Preliminar” do Grupo de Trabalho de Educação Sexual
(GTES), criado por Despacho da Ministra da Educação,
“com o objectivo de estudar e propor os parâmetros
gerais dos programas de educação sexual em meio
escolar, na perspectiva da promoção da saúde
escolar” (1).
A Comissão Episcopal da Educação Cristã, partilhando
a preocupação e o interesse da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP) pela matéria em apreciação, e na
continuidade com a Nota publicada pela mesma sobre
“A Educação da Sexualidade” (23.06.2005), vem enviar
o seu Parecer à Direcção-Geral de Inovação e de
Desenvolvimento Curricular, que torna público,
contribuindo, assim, para o debate a decorrer sobre
a “Educação Sexual em meio escolar”.
1. O Relatório Preliminar enquadra a Educação Sexual
no projecto de Promoção e Educação para a Saúde (p.
4), correspondendo o conceito de “saúde” à definição
de “saúde positiva” adoptada pela Organização
Mundial de Saúde, que põe a “ênfase na aquisição e
manutenção de um estado de bem-estar físico,
psicológico, social e ambiental, sendo que o
indivíduo é chamado a tomar parte activa nos
processos que levam a uma melhoria da
saúde/bem-estar” (p. 59).
A vinculação da “Educação Sexual” à “Educação para a
Saúde” segue uma tendência europeia adoptada na
legislação portuguesa. Preferimos situar a Educação
Sexual num horizonte mais amplo e mais profundo,
como um elemento decisivo para o desenvolvimento
global da pessoa, visto que “a sexualidade é um dos
núcleos estruturantes e essenciais da personalidade
humana, que não se reduz a alguns momentos e
comportamentos, mas é, pelo contrário, um complexo
que se integra no pleno e global desenvolvimento da
pessoa” (2).
Por outro lado, segundo a proposta do Relatório, de
tal modo se tem em vista evitar “gravidez não
planeada”, “doenças sexualmente transmissíveis” e
“abusos e exploração sexual”, que se diluem os
aspectos psicológicos e relacionais constantes do
referido conceito de saúde; e a Educação Sexual
acaba por ser encarada a partir de um prisma
negativo, porque se orienta, quase exclusivamente,
para a promoção de comportamentos alternativos aos
acima referidos.
Esquece-se que a forma mais segura de educar os
adolescentes e os jovens para uma saudável
integração da sexualidade é ajudá-los a descobrir a
sua identidade de homem ou mulher, que se
diferenciam sexualmente e se complementam numa
relação de amor. E só por esta via os adolescentes e
os jovens desenvolverão, com autenticidade, a
“autonomia”, a “participação” e a
“responsabilização” tão insistentemente sublinhadas
no Relatório.
A ausência de relação harmónica entre a Educação
Sexual e a construção progressiva de um projecto de
vida com sentido, conduz ao empobrecimento da
sexualidade, reduzida que fica à dimensão dos
mecanismos corporais e reprodutores, que se pretende
controlar. O Relatório não toca nesta relação
fundamental e, em defesa de pretensa neutralidade,
omite a dimensão ética e dos valores, e exclui a
perspectiva das religiões e das diversas culturas,
elementos que integram a sexualidade humana e
desvendam a sua beleza.
2. É um dado muito positivo a importância dada no
Relatório à interacção Família-Escola no domínio da
Educação Sexual e à participação dos pais na
implementação do projecto da Escola.
Reconhecemos também que, com frequência, os
pais/encarregados de educação têm dificuldade em
abordar o tema da sexualidade com os
filhos/educandos. A matéria é delicada e os
conhecimentos são, bastas vezes, escassos.
Mas, não só os pais sentem dificuldades neste
domínio. Também, muitos professores oferecem
resistência em acrescentar a educação sexual às suas
responsabilidades docentes e reconhecem as suas
carências relativas à informação-formação em
Educação Sexual.
No Relatório prevalece, contudo, uma visão
demasiadamente negativa quanto às capacidades
educativas dos pais, e a consideração dos mesmos
subalternizados em relação à Escola. São referidos,
em geral, como impreparados, pouco informados e
fiéis a crenças reveladoras de menoridade cultural.
Sublinhamos, com os melhores investigadores em
educação, que, se há “pais difíceis de envolver”,
há, também, “escolas difíceis de envolver”.
Pese, embora, a importância que o Relatório confere
à Família, não aparece com clareza a relação
subsidiária da Escola em relação à Família, primeira
e insubstituível e mais relevante comunidade
educativa, onde os pais são o primeiro modelo para
os filhos. Sendo assim, e tendo em conta as
dificuldades que atingem muitos pais, seria
importante desenvolver a Escola também como “Escola
de Pais”, ao serviço de uma adequada preparação dos
mesmos como educadores dos filhos, concretamente no
domínio da sexualidade.
3. No que respeita à integração da Educação Sexual
nos currículos do 2º e do 3º ciclos do Ensino
Básico, oferece-nos as maiores dúvidas a perspectiva
da transversalidade a todas as disciplinas, pela
inevitável desorientação resultante da
multiplicidade de mentalidades e de critérios dos
professores em matéria onde, apesar de uma matriz
cultural comum, as visões são plurais.
Sugerimos a inclusão de uma Área curricular não
disciplinar de “Educação da Sexualidade” na
Componente de Formação Pessoal e Social, com carga
horária e método de avaliação a ponderar com
adequação e realismo. Devem ter-se em conta as
características actuais das escolas e dos
professores, não sobrepondo a Educação Sexual às
prioridades já estabelecidas em ordem à melhoria do
êxito escolar dos alunos.
De acordo com a proposta do Relatório, a Educação
Sexual assume o carácter mais de área curricular
disciplinar/disciplina do que de área curricular não
disciplinar: uniformização de conteúdos, carga
horária fixada, manuais escolares e avaliação com
influência na transição de ano.
Propomos, em perspectiva de construção da autonomia
de cada escola a partir das suas características e
potencialidades, e em estreita relação com a
comunidade em que se insere (3), o fornecimento de
uma matriz comum de conteúdos curriculares, para ser
gerida por cada escola/agrupamento de forma
integrada no seu Projecto Educativo, com
envolvimento programado dos pais/encarregados de
educação e o eventual recurso à colaboração de
outras entidades de reconhecida competência. Como
anteriormente já afirmámos, “no campo da
sexualidade, como noutros, compete à família decidir
as orientações educativas básicas que deseja para os
seus filhos, decorrentes dos seus valores, crenças e
quadro cultural”; os pais têm o direito de “não
aceitarem determinados projectos ou acções por os
considerarem desajustados em relação à perspectiva
educativa que desejam para os filhos” (4).
4. Quanto aos professores, tutores e responsáveis de
serviços de atendimento dos alunos, referidos no
Relatório, convém sublinhar que a competência
científica é um requisito necessário mas não
suficiente.
Ficam por definir outros traços indispensáveis do
seus perfis, entre os quais, formação cultural,
maturidade afectiva e humana, equilíbrio
psicológico, abertura e respeito pelas diferentes
sensibilidades, e fidelidade aos valores incluídos
no projecto de escola/agrupamento. Nesse sentido,
consideramos de excluir a colaboração de estudantes
mais velhos que frequentam escolas do ensino
superior, frequentemente sublinhada no Relatório.
5. Confrontando as posições do presente “Relatório
Preliminar” do Grupo de Trabalho de Educação Sexual
e do “Parecer” do Conselho Nacional de Educação
“Educação Sexual nas escolas”, também este
presentemente em consulta pública, considera-se o
segundo mais adequado como referência para o
trabalho futuro, pois revela:
(a) visão mais ampla dos conceitos de Sexualidade e
de Educação Sexual, incluindo a informação
científica e a formação valorativa/dimensão ética;
(b) sentido mais apurado da realidade e das
potencialidades da Escola actual, bem como das
características culturais das famílias dos alunos,
que merecem a particular atenção e o reconhecimento
das escolas;
(c) mais abertura ao pluralismo, respeito pela
autonomia das escolas e consequente flexibilidade
quanto à gestão de um núcleo de conteúdos básicos de
Educação Sexual;
(d) maior preocupação pela salvaguarda da
continuidade do trabalho já desenvolvido pelas
escolas, através de uma avaliação criteriosa dos
caminhos percorridos.
É nosso desejo, com esta e outras reflexões, dar o
nosso contributo para a implementação da Educação da
Sexualidade nas escolas portuguesas, conferindo a
profundidade e salvaguardando a dignidade que
matéria humana tão nobre merece.
Urge proporcionar condições para que um número cada
vez mais crescente de pessoas e entidades se habitue
a reflectir e a exprimir publicamente as suas
opiniões sobre matérias decisivas para o
desenvolvimento pessoal e social. Nesse sentido, é
necessário dar maior divulgação às consultas
públicas e ampliar os períodos de debate.
Lisboa, 15 de Novembro de 2005,
A Comissão Episcopal da Educação Cristã
NOTAS:
(1) Despacho nº 19 737/2005, 2ª série, de 15 de
Junho.
(2) CEP (2005). Nota sobre A Educação da
Sexualidade, 2.
(3) cf. Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, que
aprova o regime de autonomia, administração e gestão
dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos
ensinos básico e secundário.
(4) CEP (2005). Nota sobre A Educação da
Sexualidade, 4.