Os dados do absentismo dos professores
conhecidos esta semana dão muitos motivos
para reflexão. Os alunos em média não têm
10% das aulas, o que põe em questão, só por
si, o próprio sistema educativo ou os
programas e os períodos de ensino estão mal
calculados e contêm partes dispensáveis ou é
completamente impossível que os alunos das
escolas públicas sejam (ou tenham sido) bem
preparados.
Para além deste ponto, que parece
importante, há outro dado estimulante os
professores têm 67 regimes legais ao abrigo
dos quais podem faltar às aulas (para além
dos normais períodos de férias de Natal,
Páscoa e Verão). Não vale a pena entrar na
discussão do mérito de cada uma dessas
possibilidades, que vão desde a frequência
de congressos (oito dias por ano) até à
assistência aos netos, porque resulta por
demais evidente qual foi a dinâmica política
que levou à multiplicação das excepções: a
pressão constante exercida junto dos
governos, feita de forma conjunta ou
alternada pelos diversos representantes dos
grupos profissionais, cada qual batendo-se
por este ou por aquele interesse específico.
Os governos, enquanto reflexo das
fragilidades da democracia que saiu do 25 de
Abril, foram negociando como podiam, mas os
dilemas colocados pela massificação do
ensino cortaram-lhes o espaço de manobra.
Fatalmente, cediam. Ou cediam no dinheiro
ou, quando não havia dinheiro, cediam
noutras coisas - como na possibilidade de
faltar, com legitimidade, às aulas. A um
sindicato, num certo ano, cedia-se numa
pretensão; com outro, mais à frente,
cedia-se noutra. Assim se chegou aos 67
regimes. Mais do que um sistema de
co-decisão, que também vigorou, assistiu-se
a uma acção corporativa para acumular
privilégios.
Os privilégios atribuídos têm, todavia, um
problema beneficiando uma classe
profissional, prejudicam o bem comum (os
alunos tiveram menos nove milhões de aulas
do que deviam). Ou seja, são profundamente
antidemocráticos na medida em que corroem o
princípio da igualdade de oportunidades e
impedem o acesso a um bem público: as aulas.
Quando coisas deste tipo sucedem verifica-se
"uma captura do Estado pelas corporações",
como sustentou João de Almeida Santos no
comentário a uma conferência de José Conde
Rodrigues sobre "Democracia e igualdade",
esta semana, no Clube Lusitano. É a própria
democracia que fica em risco...