Joaquim Fidalgo
Já por aí andam os novos "negreiros", uma
espécie de "navios de escravos", mas mais
modernos, claro, mais civilizados, mais bem
disfarçados, mais de acordo com este nosso
tempo de ganhar o mais possível com o menor
custo possível - afinal, o sonho de qualquer
gestor que se preza... E o nosso tempo é bem
um tempo de gestores. "Gestores
profissionais", entenda-se, cheios de
economia e de tecnocracia na proporção
inversa de ideologia; quem duvidar que veja
como anda na mó de baixo essa espécie quase
jurássica e supostamente inútil dos
"políticos profissionais", que além (ou
acima) dos números também prezam as
ideias... Adiante, que os debates
presidenciais não tardam.
Já por aí andam, dizia eu, os novos
"negreiros". A gente lê a história (eu li-a
há dias no PÚBLICO, pela pena do jornalista
Mário Barros) e espanta-se com o que mais
"eles" vão inventar para aumentar
rentabilidades! É quase um ovo de Colombo:
pega-se numa fábrica e põe-se a fábrica
dentro de um barco, depois põe-se o barco em
águas internacionais e está feito, acabam-se
os impostos a pagar a este ou àquele país,
acabam-se as taxas, acabam-se os problemas
laborais, porque quem manda ali é apenas
quem manda no barco, e quem manda em quem
manda no barco - o gestor, o patrão da
fábrica. Mas as vantagens não ficam por
aqui: pode atracar-se o barco perto do sítio
onde se compram as matérias-primas, e
poupa-se em transportes; depois,
manufacturados os produtos, atraca-se o
barco perto do sítio onde se quer proceder à
sua venda, e são novos custos de transportes
(e de tempo, esse dinheiro imenso de
hoje...) que se poupam. Maravilha. Encargos
reduzidos, produção bem-comportada, leis de
trabalho apenas q.b., margens elevadas,
impostos mínimos, preços de venda
competitivos... e é só facturar. O
capitalismo (peço desculpa pelo arcaísmo...)
no seu melhor. Pelos vistos, são chineses
que andam a investir neste modelo de
produção, comprando madeira e fazendo móveis
dentro dos barcos. Mas também há americanos
a seguir a receita, produzindo software no
alto mar, junto à costa da Califórnia,
obviamente com trabalhadores de países de
mão-de-obra barata, no caso indianos. E, cá
para mim, o exemplo não vai ficar por aqui.
Ele é só vantagens...
Isto, sim, é o bom (e literal) espírito das
zonas off-shore, uma invenção que eu nunca
percebi muito bem, mas que, no essencial,
permite criar, dentro de um país,
determinadas "bolsa" de excepção, onde a
colecta normal de impostos não entra. Há
aquelas conhecidas das ilhas Caimãs, das
Baamas e da Madeira, pois então, que não
somos menos que os outros! Nunca percebi bem
como é que eu posso "fazer" uma empresa num
certo sítio do país e pagar por ela menos
impostos do que os devidos na generalidade
desse mesmo país, só porque se decretou que
ali era um off-shore ou uma zona franca.
Visto por um leigo, parece quase uma forma
legal de permitir uma ilegalidade - ou, no
mínimo, uma imoralidade. Mas isso sou eu que
penso, e eu não percebo nada de economia,
finanças ou gestão. E nem sequer devo ser
muito moderno. Jornalista