Alguns dos problemas que o Governo alemão
enfrenta são parecidos com os portugueses a
população envelhecida, contas públicas
descontroladas, desemprego em nível elevado,
crescimento económico lento e uma crise de
financiamento da segurança social. As
soluções que a nova chanceler vai aplicar na
economia, essas, são também semelhantes às
de José Sócrates, embora pareçam bem mais
radicais. Angela Merkel apenas ontem tomou
posse e já criou uma espécie de unanimidade
de críticas. Para uns, os cortes previstos
são intoleráveis; para outros, as reformas
são demasiado tímidas.
A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) foi a
excepção nos elogios e recomendou que a
Alemanha encontrasse formas de prolongar a
vida activa dos seus trabalhadores. Se a
taxa de actividade dos "seniores" não
crescer, haverá uma redução do ritmo de
crescimento económico, prevê a instituição,
que defende uma das medidas mais con-
troversas previstas no acordo de grande
coligação a decisão de aumentar a idade da
reforma.
A partir de 2012, a idade da reforma (hoje,
63 anos para as mulheres e 65 para os
homens) subirá ao ritmo de um mês por ano,
até atingir os 67 anos em 2035. Na Alemanha,
entre os trabalhadores de 55 a 64 anos,
apenas dois em cada cinco estão empregados.
Na Suécia, a proporção é de 70%.
O anúncio destas medidas causou emoção,
embora a polémica não se compare à provocada
pelas notícias sobre possíveis cortes, a
partir de 2006, do 13.º mês dos funcionários
públicos e pensionistas. Segundo o jornal
Bild am Sonntag, o Governo teria a
intenção de reduzir o subsídio para metade
(actualmente está em 65% do salário). Outra
ideia seria a de aumentar em uma hora o
tempo semanal de trabalho dos funcionário
públicos.
A iniciativa diz respeito apenas à
administração central (que tem 300 mil
trabalhadores), mas foi de imediato
desmentida pela direcção do SPD, que
explicou tratar-se apenas de "uma proposta
muito longe de estar concretizada". Os
democratas-cristãos defendem as medidas,
enquanto o SPD afirma que, a acontecerem, os
cortes serão só nos salários mais elevados.
Aparentemente, esta é uma das muitas
questões que o acordo dos partidos da
coligação deixou para negociações futuras.
Uma coisa é certa o acordo interpartidário
prevê um corte de mil milhões de euros nas
despesas da administração, sendo esta uma
parte das poupanças previstas.
impostos. No caso de avançar com os
cortes nos subsídios, o Governo Merkel vai
comprar uma guerra com os sindicatos, que já
fazem ameaças nas negociações salariais.
Apesar da promessa de agitação social, os
meios liberais também criticam o novo poder
na sua óptica, Berlim vai tentar equilibrar
as contas públicas fazendo "poucos"
sacrifícios na despesa. São até anunciados
dispendiosos planos de investimento.
A ênfase, dizem estas críticas, foi
inteiramente colocada na receita, num
significativo aumento de impostos. A partir
do dia 1 de Janeiro de 2007, o IVA subirá 3
pontos percentuais, de 16% para 19%. Em
simultâneo, os ricos vão pagar mais, com a
subida do escalão máximo de imposto sobre o
rendimento, uma concessão arrancada pelo
SPD.
O problema alemão está no défice orçamental
e na constituição, que limita o novo
endividamento ao valor gasto em
investimentos do Estado. Em 2006, o défice
atingirá 40 mil milhões de euros. Mas, em
2007, Berlim vai cumprir o limite do défice
orçamental de 3% do PIB previsto nos
compromissos do Pacto de Estabilidade e
Crescimento (PEC) que regula a zona euro. E
o orçamento, ainda com desequilíbrio de 35
mil milhões de euros, já será
"constitucional".
Os críticos que acusam o Governo de timidez
lembram que Merkel terá também de promover
crescimento. O aumento do IVA, numa altura
de melhoria da conjuntura, poderá significar
a morte prematura da retoma incipiente.
No terceiro trimestre, o PIB alemão cresceu
0,6%, contra apenas 0,2% no trimestre
anterior. A este dado, confirmado ontem,
juntam- -se outros indícios que mostram
recuperação ligeira da economia alemã. As
empresas estão a exportar mais e a investir.
A parte do indicador que estragou as contas
foi o consumo, supostamente o que mais sofre
com o aumento do IVA. A retoma surge no
âmbito da melhoria significativa da situação
económica na Europa, fenómeno que a
generalidade dos observadores considera ser
tendência sólida.
Que efeito terão os aumentos de impostos de
2007? Ninguém sabe responder. Há quem afirme
que o ano económico será bom em 2006 e que,
para mais, os consumidores terão incentivo
para anteciparem as compras. Mas também há
quem pense que a subida no IVA pode
estrangular a retoma logo à nascença. No
segundo cenário, estará comprometida a
melhoria dos números do desemprego e os
efeitos europeus podem ser importantes. Se a
Alemanha não descolar, é pouco provável que
a UE resolva o seu problema de crescimento
baixo.
Há ainda a considerar os vectores que Berlim
não controla, nomeadamente a eventual subida
de taxas de juro e o custo do barril de
petróleo. No fim-de-semana, o presidente do
Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet,
admitiu de forma implícita uma possível
subida nas taxas, o que mereceu imediatas
críticas de políticos alemães. A questão
energética é outra incógnita. O eventual
agravamento no custo do barril poderia
acabar de vez com as esperanças de Merkel.