Diário de Notícias - 23 Nov 05

Críticas generalizadas a propostas de reforma

Luís Naves

 

Alguns dos problemas que o Governo alemão enfrenta são parecidos com os portugueses a população envelhecida, contas públicas descontroladas, desemprego em nível elevado, crescimento económico lento e uma crise de financiamento da segurança social. As soluções que a nova chanceler vai aplicar na economia, essas, são também semelhantes às de José Sócrates, embora pareçam bem mais radicais. Angela Merkel apenas ontem tomou posse e já criou uma espécie de unanimidade de críticas. Para uns, os cortes previstos são intoleráveis; para outros, as reformas são demasiado tímidas.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) foi a excepção nos elogios e recomendou que a Alemanha encontrasse formas de prolongar a vida activa dos seus trabalhadores. Se a taxa de actividade dos "seniores" não crescer, haverá uma redução do ritmo de crescimento económico, prevê a instituição, que defende uma das medidas mais con- troversas previstas no acordo de grande coligação a decisão de aumentar a idade da reforma.

A partir de 2012, a idade da reforma (hoje, 63 anos para as mulheres e 65 para os homens) subirá ao ritmo de um mês por ano, até atingir os 67 anos em 2035. Na Alemanha, entre os trabalhadores de 55 a 64 anos, apenas dois em cada cinco estão empregados. Na Suécia, a proporção é de 70%.

O anúncio destas medidas causou emoção, embora a polémica não se compare à provocada pelas notícias sobre possíveis cortes, a partir de 2006, do 13.º mês dos funcionários públicos e pensionistas. Segundo o jornal Bild am Sonntag, o Governo teria a intenção de reduzir o subsídio para metade (actualmente está em 65% do salário). Outra ideia seria a de aumentar em uma hora o tempo semanal de trabalho dos funcionário públicos.

A iniciativa diz respeito apenas à administração central (que tem 300 mil trabalhadores), mas foi de imediato desmentida pela direcção do SPD, que explicou tratar-se apenas de "uma proposta muito longe de estar concretizada". Os democratas-cristãos defendem as medidas, enquanto o SPD afirma que, a acontecerem, os cortes serão só nos salários mais elevados.

Aparentemente, esta é uma das muitas questões que o acordo dos partidos da coligação deixou para negociações futuras. Uma coisa é certa o acordo interpartidário prevê um corte de mil milhões de euros nas despesas da administração, sendo esta uma parte das poupanças previstas.

impostos. No caso de avançar com os cortes nos subsídios, o Governo Merkel vai comprar uma guerra com os sindicatos, que já fazem ameaças nas negociações salariais. Apesar da promessa de agitação social, os meios liberais também criticam o novo poder na sua óptica, Berlim vai tentar equilibrar as contas públicas fazendo "poucos" sacrifícios na despesa. São até anunciados dispendiosos planos de investimento.

A ênfase, dizem estas críticas, foi inteiramente colocada na receita, num significativo aumento de impostos. A partir do dia 1 de Janeiro de 2007, o IVA subirá 3 pontos percentuais, de 16% para 19%. Em simultâneo, os ricos vão pagar mais, com a subida do escalão máximo de imposto sobre o rendimento, uma concessão arrancada pelo SPD.

O problema alemão está no défice orçamental e na constituição, que limita o novo endividamento ao valor gasto em investimentos do Estado. Em 2006, o défice atingirá 40 mil milhões de euros. Mas, em 2007, Berlim vai cumprir o limite do défice orçamental de 3% do PIB previsto nos compromissos do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) que regula a zona euro. E o orçamento, ainda com desequilíbrio de 35 mil milhões de euros, já será "constitucional".

Os críticos que acusam o Governo de timidez lembram que Merkel terá também de promover crescimento. O aumento do IVA, numa altura de melhoria da conjuntura, poderá significar a morte prematura da retoma incipiente.

No terceiro trimestre, o PIB alemão cresceu 0,6%, contra apenas 0,2% no trimestre anterior. A este dado, confirmado ontem, juntam- -se outros indícios que mostram recuperação ligeira da economia alemã. As empresas estão a exportar mais e a investir. A parte do indicador que estragou as contas foi o consumo, supostamente o que mais sofre com o aumento do IVA. A retoma surge no âmbito da melhoria significativa da situação económica na Europa, fenómeno que a generalidade dos observadores considera ser tendência sólida.

Que efeito terão os aumentos de impostos de 2007? Ninguém sabe responder. Há quem afirme que o ano económico será bom em 2006 e que, para mais, os consumidores terão incentivo para anteciparem as compras. Mas também há quem pense que a subida no IVA pode estrangular a retoma logo à nascença. No segundo cenário, estará comprometida a melhoria dos números do desemprego e os efeitos europeus podem ser importantes. Se a Alemanha não descolar, é pouco provável que a UE resolva o seu problema de crescimento baixo.

Há ainda a considerar os vectores que Berlim não controla, nomeadamente a eventual subida de taxas de juro e o custo do barril de petróleo. No fim-de-semana, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, admitiu de forma implícita uma possível subida nas taxas, o que mereceu imediatas críticas de políticos alemães. A questão energética é outra incógnita. O eventual agravamento no custo do barril poderia acabar de vez com as esperanças de Merkel.

 

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