191 casos
obrigaram a tratamento hospitalar, mas é a
pequena agressão que preocupa
Um total de 191 alunos,
professores ou funcionários tiveram que
receber tratamento hospitalar no ano lectivo
de 2004/2005, devido a agressões sofridas
nas escolas, revelam dados do Departamento
de Segurança do Ministério da Educação. No
total, foram contabi- lizadas 1232 ofensas à
integrida- de física em estabelecimentos de
ensino. Em relação ao ano anterior, baixaram
ligeiramente os incidentes em que foram
vítimas docentes e auxiliares, mas houve
quase mais duas centenas de casos envolvendo
estudantes.
Atendendo à globalidade do sistema educativo
- milhões de alunos, 150 mil professores,
milhares de escolas - e à raridade de casos
particularmente graves, estes indicadores
não chegam para concluir que as escolas
portuguesas sejam perigosas. Mas há sinais
de alarme. E as medidas de prevenção em
vigor podem ser insuficientes para os
contrariar.
Actualmente, a política de segurança para os
estabelecimentos de ensino assenta na
"Escola Segu-ra", criada em 1996. O
programa, tutelado em conjunto pelos
ministérios da Educação e da Administração
Interna, consiste essencialmente na presença
de policiais [PSP e GNR] no exterior das
escolas e de seguranças [habitualmente
agentes reformados] no interior. A solução
reduz o risco de alguma criminalidade em
volta do espaço escolar, mas não impede
fenómenos como o bullying, a coacção
sistemática dos alunos mais frágeis pelos
mais fortes, que se estão a tornar cada vez
mais frequentes.
João Sebastião, investigador da Escola
Superior de Educação de Santarém e co-autor
do estudo "Escola e violência - Conceitos,
políticas, quotidianos", é um assumido
crítico do actual modelo. "O programa
'Escola Segura', tal como existe hoje, é
deitar dinheiro à rua", diz. "Um dos
princípios básicos da sua criação era a
crença de que a violência é uma agressão
externa à escola. Mas em Portugal não há
tanto o problema do gangue que vai à escola
bater nos alunos", afirma. "O que tem
crescido de forma preocupante é a pequena
agressão entre colegas, apesar de também
haver professores agredidos e que agridem."
Para o investigador, não adianta investir em
mais segurança. Em vez disso, defende,
"devia gastar-se 50% desse valor em
animadores culturais, que trabalham com os
alunos lá fora, no pátio".
Alternativas. A convicção vem- -lhe
de um projecto em que participou, na década
de 90, na tristemente célebre EB 2/3 de
Alfornelos. "Era um escola cheia de mitos
urbanos a aluna que tinha sido violada, o
estudante que andava armado, mas nada disso
era verdade", garante. E contratando
animadores "nos próprios bairros
problemáticos", envolvendo "a comunidade e
as associações culturais", "foi possível
criar uma rede de adultos" em volta dos
estudantes, que reduziu "radicalmente" as
agressões e fez de alegados "casos perdidos"
estudantes que "estavam nas aulas e
trabalhavam".
Mas nem todos concordam com a ideia de
reduzir na segurança para financiar novas
soluções. Para Fernando Gomes,
vice-presidente da Confederação Portuguesa
das Associações de Pais, seria "desastroso"
eliminar a figura do agente de segurança,
que, apesar de tudo, "impõe alguma ordem" no
ambiente escolar. "A Confap promove o
envolvimento dos seus associados na vida
escolar e também apoia, desde há muito,
conceitos como os animadores culturais",
ressalvou. "Mas não podemos abdicar do que
já existe. A realidade é que nem há dinheiro
para ter um psicólogo por escola."
Paulo Sucena, secretário-geral da Federação
Nacional dos Professores (Fenprof),
considera também que o crescimento
"preocupante" da violência tem muitas vezes
"raízes" que ultrapassam as fronteiras
escolares e a "capacidade de intervenção"
dos conselhos executivos "Vivemos num país
que lida com o desemprego, que tem dois
milhões de pobres", recorda. No entanto,
recusa a ideia de que os problemas se
resolvam "com procedimentos policiais ou por
suspensão" dos alunos di- tos complicados.
"O professor deve ter a capacidade de atrair
pre-cisamente aqueles alunos que têm
problemas. E creio que há um esforço nesse
sentido", considera.
Pedro Delgado, professor no Instituto Piaget
de Santarém e docente de História numa
escola do ensino básico, aponta ainda outras
razões para os problemas entre alunos "Às
vezes, a alta densidade das turmas e das
próprias escolas é motivadora dessas
situações. São muitos, concentram-se em
quatro ou cinco pontos, a tensão surge",
explica. Na escola onde dá aulas "há 1100
alunos, num espaço dimensionado para 600/
/700". E na sua turma, apesar de lidar com
alunos do 5.º ano, já se viu obrigado a
"separar alunos que estão ao soco".
O investigador concorda com os benefícios da
introdução de animadores culturais,
sobretudo se associados a uma maior oferta
de actividades lúdicas, como "Internet,
vídeos, desporto escolar", mas defende a
relevância de projectos como o "Escola
Segura" "Apesar de tudo, um polícia à porta
da escola afasta o tal aluno agressor, que
muitas vezes espera lá a sua vítima, para o
roubar ou para lhe bater", diz.
Por outro lado, Pedro Delgado discorda da
convicção, expressa por Paulo Sucena, de que
estes comportamentos são sobretudo ditados
por factores como a pobre-za ou a exclusão
social. Até porque num estudo realizado com
o colega José Caeiro (ver caixa) em
duas escolas de Sesimbra, "muito
se-melhantes à realidade de Lisboa", com
"alunos sobretudo de famílias da classe
média", descobriu a mesma "agressividade"
que se costuma atribuir aos jovens mais
carenciados.