A indisciplina e
a violência são um problema das escolas ou
um reflexo da sociedade de hoje?
Indisciplina e violência são duas realidades
e dois conceitos muito distintos. O processo
educativo implica um espaço de conflito e de
transgressão. O confronto faz parte do
crescimento e da conquista de um lugar como
pessoa. Esta "indisciplina" é bem conhecida
dos professores (...) Totalmente diferente é
a situação de violência que começa a existir
em muitas escolas. Esta, sim, é uma
realidade nova com a qual não sabemos lidar.
Acredita que novas medidas repressivas,
como as multas recém-adoptadas no Reino
Unido para os pais de alunos violentos,
podem ter efeitos benéficos?
A sociedade impõe às crianças a frequência
da escola, por um tempo cada vez mais longo.
Mas, para muitas crianças e para muitas
famílias, a escola não tem qualquer sentido.
Nem sentido pessoal, nem sentido social. As
promessas da democratização ficaram por
cumprir e a escola deixou de ser, na maioria
dos casos, um factor de mobilidade social.
Nem sequer conseguimos concretizar o
objectivo mais óbvio assegurar que todos os
alunos, cada um à sua medida, tenham
verdadeiramente sucesso. Não se pode obrigar
um jovem a estar na escola, condenando-o a
um destino de insucesso. Impõe-se recuperar
a ideia de um "contrato", com direitos e
deveres de parte a parte, a celebrar com os
alunos e as famílias. É melhor deixar as
multas para outros sectores ?
Nesta matéria, tende a haver uma
responsabilização mútua entre alguns
professores, pais e os alunos. Quem tem
razão?
É preciso conhecer a realidade, evitar as
falsas evidências. Vários estudos têm
mostrado que os pais com mais dificuldade
para lidarem com situações de indisciplina,
para se fazerem respeitar, são também
aqueles que mais acusações dirigem aos
professores. Por outro lado, os professores
mais frágeis tendem a desculpar-se, muito
facilmente, com os ambientes familiares
perniciosos? O caminho das acusações mútuas
conduz-nos a um beco sem saída.
É justa a queixa dos professores de que
muitas vezes lhes é exigido que façam
sozinhos o papel de educadores,
substituindo-se aos pais em algumas tarefas
que lhes competiam?
Sem dúvida. Historicamente, a escola foi
procurando compensar a fragilidade das
famílias, e da sociedade, assumindo um
número cada vez maior de missões. Tudo, mas
mesmo tudo, foi passando para dentro das
escolas. Como se fosse possível resolver
todos os problemas das crianças e dos jovens
no espaço escolar. Não é. Importa, por isso,
recentrar a escola nas tarefas da
aprendizagem e, ao mesmo tempo, reforçar um
espaço público no qual as famílias e as
comunidades assumam as suas próprias
responsabilidades.
Talvez pelo número de estudantes que as
escolas e os professores têm a seu cargo,
parece haver uma tendência para segregar os
casos de indisciplina. Ao punir
repetidamente alunos problemáticos, que
acabam muitas vezes em escolas que servem de
"reservatório" para os "casos perdidos", não
se está a criar um ciclo vicioso do qual
estes jovens já não conseguem sair?
Esse é um dos dramas principais das nossas
escolas. Em educação, a autoridade não se
impõe, conquista-se. Um autor francês,
Philippe Meirieu, afirma que a escola deve
ser menos "comunidade" e mais "sociedade".
Uma comunidade caracteriza-se pela escolha
livre dos seus membros e por laços
essencialmente afectivos. Uma sociedade
define-se pela existência de regras, aceites
por todos, que permitem trabalhar e viver em
conjunto com uma determinada finalidade. A
melhor tradição pedagógica, por exemplo, de
Freinet, construiu-se a partir da ideia de
escola como "sociedade". Não há "casos
perdidos", nem "alunos problemáticos". Há
regras de vida colectiva, discutidas por
todos, que devem funcionar como um elemento
de integração e não de exclusão.
Porque é que, às vezes lidando com as
mesmas turmas, há professores que conseguem
mais facilmente o respeito dos seus alunos
do que outros?
Esse é um dos grandes mistérios da educação.
Os melhores professores conseguem manter uma
relação equilibrada com os alunos. Há uma
sensação de conforto e de naturalidade na
acção pedagógica. Eles sabem que a
autoridade não pode ser exercida de forma
arbitrária. É preciso que as regras tenham
sentido, que sejam impostas com justiça e
equidade. Mas eles evitam, também, cair no
extremo oposto o poder baseado na pura
sedução ou no carisma pessoal (...) É também
muito interessante ouvir o que os alunos têm
para nos dizer.