Expresso- 11
Nov 06
Aborto e objecção de consciência
A. PintoLeite
Os cidadãos que sentem a sua consciência violentada
com a liberalização do aborto - é disso que se
trata, o resto são sofismas - não deveriam ser
obrigados a contribuir com os seus impostos para um
acto que tão intensamente agride a sua consciência.
As regras
sociais são para se cumprir. Em democracia, é a
maioria que estabelece essas regras.
Há, todavia,
situações de excepção que podem merecer tratamento
excepcional.
É o que poderá
suceder no caso do aborto.
Se o aborto até
às dez semanas vier a ser despenalizado e a rede de
saúde pública vier a ser disponibilizada para a sua
realização, tal significa que os impostos dos
portugueses serão, também, captados e direccionados
para esse fim.
Isto é, aqueles
para quem no aborto livre - disso se trata agora -
está em causa a eliminação de uma vida humana, por
livre arbítrio de outro ser humano, passariam a ser
obrigados a contribuir, com os seus impostos, para
uma prática que, em absoluto, violenta a sua
consciência.
Não seria
equilibrada esta exigência social.
Com fundamento
em objecção de consciência, os cidadãos deviam ter a
possibilidade de não contribuir para a assistência
pública à prática do aborto livre.
Para parte dos
portugueses está em causa a primazia da mulher e do
seu espaço de decisão sobre o direito à vida do seu
filho, estão em causa considerações de ordem social,
económica e de justiça relativa, está em causa uma
prioridade de saúde pública perante uma
circunstância que ninguém consegue travar.
Não questiono
que os defensores deste novo passo a favor da
liberalização do aborto tenham motivações sérias,
algumas válidas, e que são genuínas as intenções que
os movem.
Mas há uma
outra parte de portugueses que entende estar em
causa a eliminação de uma vida humana, a
desprotecção arrepiante do elo mais fraco da cadeia
e uma delicada questão civilizacional centrada nas
exigências de tutela do primeiro dos direitos
fundamentais, o direito à vida.
Ensina a
Ciência que às dez semanas o bebé tem as mesmas
impressões digitais que terá durante toda a sua
vida, pesa 14 gramas, mede 6 centímetros, começam a
formar-se os dentes definitivos, tem pestanas, abre
e fecha os olhos, mexe a língua, chucha no dedo, as
cordas vocais formam-se na laringe e pode fazer
sons, o registo da actividade cerebral torna-se mais
consistente.
Este descritivo
não é uma baboseira, é um ser humano. Acentua em
muitos portugueses a consciência de que se está
perante um ser e que a sua eliminação, sem qualquer
justificação proporcional, é, realmente, uma
brutalidade.
Obrigar aqueles
que, de forma inteiramente genuína e sentida,
configuram o aborto livre como uma possibilidade sem
critério de eliminação de vidas humanas, a pagar a
assistência pública a esta prática, constituiria uma
violência não tolerável de uma parte da sociedade
sobre a outra parte.
Ninguém poderá
obrigar um médico do Serviço Nacional de Saúde a
praticar um aborto. O médico tem direito à objecção
de consciência.
Assim, caso a
nova lei do aborto viesse a ser aprovada, também
deveria ser concedido a todos os cidadãos o direito
de objecção de consciência no plano fiscal. Os
cidadãos que sentem a sua consciência violentada com
a liberalização do aborto - é disso que se trata, o
resto são sofismas - não deveriam ser obrigados a
contribuir com os seus impostos para um acto que tão
intensamente agride a sua consciência.