Jornal da Madeira- 12
Nov 06
Existe uma crise familiar
Anete Marques Joaquim
Na opinião de João Correia,
essa é uma característica da sociedade ocidental
João Correia adianta que «quando existem
procedimentos disciplinares que estão esvaziados de
autoridade, é lógico que os jovens não os cumpram,
porque não reconhecem autoridade a quem os executa»
Na cultura ocidental, os pais de hoje demitem-se
muitas vezes das suas funções paternais.
A opinião é de João Correia, presidente da
Associação de Famílias Numerosas na Madeira.
No seu entender, esta atitude deve-se em parte à
própria concepção do mundo moderno e, por outro, aos
condicionamentos da sociedade, a que muitos pais
estão também sujeitos.
A título de exemplo, João Correia refere a falta de
tempo que os pais têm para estar em casa, devido aos
seus empregos, o que os leva a delegar as suas
funções disciplinares na escola ou noutras
instituições.
João Correia salienta que, na sua opinião, mais do
que uma crise de disciplina, o que acontece nos dias
de hoje é uma crise de autoridade.
«A questão da disciplina é decorrente da autoridade,
isto é, o jovem tem de saber que o professor tem uma
autoridade, que os pais também a têm e que, daí
decorrem procedimentos disciplinares», acrescenta.
João Correia adianta que «quando existem
procedimentos disciplinares que estão esvaziados de
autoridade, é lógico que os jovens não os cumpram,
porque não reconhecem autoridade a quem os executa».
As crianças que vivam a sua infância neste tipo de
situação, no entender de João Correia, acabam por
ter problemas de socialização a todos os níveis,
nomeadamente na sua vida adulta profissional.
Membro de uma família numerosa, João Correia
recusa-se a fazer diferenças substanciais entre a
disciplina numa família destas e na das que têm
apenas um filho.
«Não se pode concluir que um pai que tenha um filho
seja menos disciplinador do que um que tenha muitos
filhos», salienta.
Apesar disso, admite que, em termos de organização
numa família com mais elementos, «obviamente que é
quase que forçoso haver regras, disciplina,
inter-ajuda e uma série de pressupostos que mais
facilmente se aprende numa família grande do que
numa mais pequena. Em termos da partilha, da
socialização, das regras na família, do saber
esperar, do saber partilhar, doar ao outro, do
respeito pelo outro e pela própria família»,
exemplifica João Correia.
Na sua opinião, estes valores mais facilmente se
aprendem numa família numerosa, «o que não quer
dizer que seja exclusivo destas famílias», diz.
A finalizar, João Correia acentua a ideia de que
mais grave do que tudo «é que se assiste a uma crise
familiar, em termos de sociedade ocidental, em que
os pais se demitem da sua função».
Pais não têm tempo para os filhos
e há menos valores sociais
Gilberto Pita admite que os pais de hoje têm menos
tempo para estarem com os filhos. Ora, na sua
opinião, esse facto leva a que, muitas vezes, não os
estimulem para a vida escolar e respectivo
aproveitamento.
«Por essa via, de certo modo, acaba por sair
prejudicada a imagem da escola como entidade que
ainda os disciplina, que induz comportamentos
aceitáveis, que, ao fim e ao cabo, induz
comportamentos cívicos», diz o professor.
A acrescer a tudo isto, Gilberto Pita defende haver
«uma crescente falta de valores» na sociedade.
«Nos nossos dias há cada vez menos símbolos e
metáforas que façam as pessoas moverem-se em função
desses símbolos; já não há valores que sejam
seguidos uniformemente ou maioritariamente por
sectores da população».
Ora, na sua opinião, «não havendo referências, não
havendo guias, a progressão na vida desses
indivíduos acaba por ser mitigada e prejudicada».
Quanto ao facto de os jovens terem deixado de ver os
adultos como referência, Gilberto Pita diz que o que
cada vez mais acontece, é que «são cada vez menos os
adultos que se preocupam com a educação dos jovens,
nomeadamente em seio familiar e na proximidade da
própria família e, desta maneira, os poucos que
interferem com o comportamento menos adequado que
alguns jovens tenham, acabam por ser apontados como
entraves, como bloqueadores da chamada liberdade
juvenil».
«É, exactamente, por haver um maior empenho de todos
na educação dos jovens que estes deixam de ter os
adultos como referência», conclui Gilberto Pita.