|
Público - 15
Nov 06
Estereótipos
Joaquim Fidalgo Crer para Ver
Imaginemos esta notícia:
"Um indivíduo de raça branca, conhecido adepto do
Clube XPTO, foi ontem preso pouco depois de ter
assaltado uma senhora loura, vestida de saia amarela
e casaco vermelho, que acabara de levantar dinheiro
numa caixa automática. O indivíduo, que se sabe ser
heterossexual, já tinha sido detido há um mês, por
suspeita de burla, mas a acusação provou ser falsa."
Esta é uma notícia que, tal e qual, nunca vemos em
qualquer jornal. Parece óbvio. Mas se calhar só é
óbvio pela metade.
Nunca há, entre nós, notícias sobre indivíduos "de
raça branca" (já se forem "de raça negra", o caso
pode mudar de figura). Também nunca há, entre nós,
notícias sobre indivíduos "que se sabe serem
heterossexuais" (já quanto àqueles "que se sabe
serem homossexuais", o caso pode mudar de figura).
Quanto ao resto: que interesse tem, para a notícia
em causa, o facto de o senhor ser adepto do clube A
ou B? E que importa que a senhora assaltada seja
loura ou morena? E é assim tão relevante, no caso, a
cor da sua roupa? E para quê lembrar que o
assaltante já tinha sido preso antes, quando foi
ilibado?
O que é certo é que não faltam por aí notícias que,
por rotina, desatenção ou falta de sentido ético,
tratam desigualmente as pessoas em função da sua
cor, religião, aparência, credo político ou opção
sexual. E também não faltam notícias que, metendo-se
nesses atalhos, não acrescentam nada de relevante à
matéria noticiada mas, em contrapartida, ajudam a
perpetuar estereótipos negativos ou a encarar com
ligeireza as violações da privacidade.
Ainda esta semana, vi, no noticiário de uma das
nossas televisões, umas imagens horríveis de um
restaurante cá da terra que acabava de ser
fiscalizado e multado pela inspecção económica.
Aquilo era um nojo: comida podre, congelados há
muito caducados, lixo misturado com legumes,
porcaria por toda a cozinha, uma imundície. Gostei
de saber que a inspecção tinha actuado, e o que
gostaria era de ver mais actuações deste género, em
todo o tipo de restaurantes - por razões de saúde
pública e de respeito pela gente.
Mas o que me espantou foi que, a certa altura, se
disse de que "nacionalidade" era o restaurante. E
até se mostrou o dono, cuja fisionomia permitia
alguma identificação. Não digo se era italiano,
chinês, indiano, angolano, brasileiro, japonês,
ucraniano ou turco. E não digo porque isso não
acrescenta nada à notícia. Melhor: até acrescenta,
mas de negativo. Ao dizer que foi um restaurante de
certa "nacionalidade", estou, queira ou não, a
lançar uma nuvem de suspeita sobre todos os dessa
"nacionalidade" - o que é injusto. E estou também,
implicitamente, a salvar a face dos de outras
"nacionalidades" - o que é precipitado.
Um restaurante imundo é um restaurante imundo, que
se deve fiscalizar, multar e encerrar, ponto final.
De outro modo, teremos o direito de ficar à espera
que um dia destes nos chegue uma notícia do género:
"Um restaurante de comida portuguesa foi ontem
fechado por servir produtos estragados." Mas notícia
assim nunca vai chegar, pois não?... Jornalista
|