Público - 16
Nov 06
Despenalização do Aborto
Referendo ganha por um voto no Tribunal
Constitucional
Nuno Sá Lourenço
Seis juízes consideraram que a pergunta não
é clara e que o "sim" pode ser inconstitucional
Sete votos a favor e seis contra. Foi este o
resultado da apreciação no Tribunal Constitucional
da constitucionalidade e legalidade da convocação de
um referendo sobre a despenalização do aborto e da
pergunta que nele será feita. Apesar de sete dos 13
juízes-conselheiros não serem os mesmos que
decidiram sobre a mesmo assunto e sobre uma pergunta
idêntica em 1998, a votação teve o mesmo resultado.
"Concorda com a despenalização da interrupção
voluntária da gravidez, se realizada, por opção da
mulher, nas primeiras dez semanas, em
estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" é a
pergunta aprovada pelo TC.
O anúncio da decisão foi feito pela juíza relatora
do acórdão, Maria Fernanda Palma, que considerou que
a pergunta cumpre a Constituição, porque "satisfaz
os requisitos de objectividade, clareza e precisão"
e "recai sobre uma só matéria", de acordo com a lei
do referendo.
A maioria dos juízes do TC considerou ainda que o
"sim" no referendo não implica uma
inconstitucionalidade. O acórdão teve o voto
favorável de Bravo Serra, Gil Galvão, Vítor Gomes,
Maria Helena Pinto, Maria João Antunes e Artur
Maurício, presidente do Tribunal Constitucional.
Os argumentos dos vencidos
A principal objecção levantada pelos juízes vencidos
prendeu-se com os "requisitos de objectividade,
clareza e precisão", exigidos na lei. Todos os seis
- Moura Ramos, Maria dos Prazeres Beleza, Paulo Mota
Pinto, Benjamim Rodrigues, Mário Torres e Pamplona
de Oliveira - questionaram a proposta de referendo
nesta alínea.
Os mesmos seis consideraram também que a resposta ao
referendo pode implicar uma solução jurídica
incompatível com a Constituição da República
Portuguesa.
Dos seis que votaram contra, cinco estão
politicamente alinhados com o que se costuma
denominar como "centro-direita". Mário Torres é o
único dos que levantaram objecções que está mais
próximo do centro-esquerda.
De acordo com o presidente do Tribunal
Constitucional, Artur Maurício, estes juízes-
conselheiro fizeram-no por entenderem que "a
resposta do "sim" implicava a violação da
Constituição por desprotecção da vida
intra-uterina".
Dois destes juízes - Paulo Mota Pinto e Mário Torres
- votaram ainda contra a restrição da participação
no referendo aos cidadãos residentes em território
nacional, considerando que também os emigrantes
deveriam ser ouvidos nesta consulta.
A proposta de referendo, debatida e aprovada pela
terceira vez esta legislatura em Outubro no
Parlamento, teve os votos do PS, PSD e BE, a
abstenção do CDS-PP e votos contra do PCP e Os
Verdes.
Antes da leitura da sentença, o presidente do TC,
Artur Maurício, telefonou ao Presidente da
República, Cavaco Silva, para lhe dar conhecimento
da decisão do Tribunal Constitucional.
O acórdão será enviado ao Presidente da República,
Cavaco Silva, sexta-feira, sendo publicado em Diário
da República na segunda-feira. Será a partir desse
dia que o chefe de Estado poderá avançar com o
processo de convocação (ver caixa).
O referendo ontem aprovado parte de um projecto de
lei, aprovado na generalidade a 20 de Abril de 2005,
que propõe alterações ao Código Penal (CP), as quais
terão ser feitas, caso o "sim" ganhe o referendo.
Está aprovada uma nova redacção para partes do
artigo 142º do Código Penal, que já estipula
interrupções de gravidez que não são puníveis. Com a
nova redacção inclui-se uma nova situação não
punível, a saber, se for "a pedido da mulher, nas
primeiras dez semanas de gravidez, para preservação
da sua integridade moral, dignidade social ou
maternidade consciente".
Ficaria ainda definido que "a verificação das
circunstâncias que tornam não punível a interrupção
da gravidez é certificada através de atestado
médico", que tem de ser assinado por um clínico que
não o que realiza a interrupção da gravidez.
A responsabilidade do acompanhamento do processo
fica com as consultas de planeamento familiar já
existentes. A proposta inicial do Partido Socialista
previa a criação de centros de acolhimento familiar,
ideia abandonada devido ao receio de aumento da
despesa no Ministério da Saúde.