Público - 19
Nov 06
Ano de 2006 poderá ser o primeiro a registar
menos de mil mortos na estrada
Sofia Rodrigues
Mesmo sem campanhas, a
sinistralidade rodoviária tem vindo a descer.
Efeitos do novo Código da Estrada, da melhoria das
estradas ou da mediatização do tema? Ninguém pode
ter a certeza
O ano de 2006 poderá ficar como o
primeiro na história da sinistralidade portuguesa -
desde que há estatísticas - em que o número de
mortos nas estradas não chegará aos mil.
É o reflexo de uma quebra consecutiva dos acidentes
graves desde 1997. Nos últimos dois anos, a
tendência manteve-se, apesar da ausência quase total
de campanhas ou de outras acções concertadas
promovidas pelo Governo e por organizações não
governamentais. Hoje é Dia Mundial em Memória das
Vítimas das Estradas.
Dois especialistas contactados pelo PÚBLICO
reconhecem que é difícil explicar a situação e
avançam com alguns factores que podem estar a
contribuir para que menos pessoas morram nas
estradas portuguesas.
Este ano (até dia 12 de Novembro), os acidentes de
viação provocaram 708 mortos. Como a média de
vítimas mortais por mês variou entre 60 e 88, é
provável que o total anual não chegue às mil
vítimas, o que será a primeira vez em Portugal desde
que se produz estatística de sinistralidade (1975).
A mediatização do tema da sinistralidade rodoviária,
as melhorias das estradas e dos veículos são alguns
aspectos referidos por Luís Escudeiro, da Associação
Nacional de Segurança e Socorro Rodoviário, para
ajudar a explicar a quebra no número de mortos.
"A minha intuição - e não mais do que isso - é que
trazer o assunto para a opinião pública é importante
na alteração de comportamentos de alguns
condutores", diz Luís Escudeiro. O formador em
condução defensiva lembra que por todo o país foram
colocadas rotundas, algumas em sítios perigosos. E
que o "fim do IP5" também não deve ser esquecido.
Para Luís Escudeiro, a descida dos números não
significa que Portugal esteja num bom nível nesta
área. "Continuamos a ser dos piores da Europa. Os
números não nos podem servir de consolo." E
actualmente estão a servir? Manuel João Ramos,
presidente da Associação de Cidadãos
Auto-Mobilizados (ACA-M), acha que sim. "O Governo
está sentado à sombra da bananeira. Sabe que não
precisa de fazer nada para os números descerem",
afirma.
Essa pode ser uma das perversões da quebra da
gravidade dos acidentes: uma menor preocupação com a
redução da sinistralidade em geral e com fenómenos
exagerados de atropelamentos, bem como de acidentes
com veículos de duas rodas.
Os acidentes com peões foram, aliás, o último alvo
de uma campanha mediática nacional, promovida pelo
anterior Governo, em 2004. O actual Executivo cortou
subsídios às organizações não governamentais e
lançou até agora uma única campanha, com imagens de
crianças dentro de um avião.
Os dados da venda de combustível parecem não ajudar
os analistas que apontam o papel da crise económica
(logo, menos condutores nas estradas) na redução da
sinistralidade. O consumo da gasolina sem chumbo 95
tem subido nos últimos cinco anos (a 98, que é mais
cara, pelo contrário tem descido). Só as vendas de
gasóleo caem desde 2004.
Multas mais caras
e maior fiscalização
Para Manuel João Ramos, "as pessoas não podem deixar
de andar de carro, mas deixam de acelerar". A
redução da velocidade como forma de poupar
combustível "é um padrão pan-europeu", acrescenta.
O fundador da ACA-M vê no Código da Estrada em vigor
desde 2005 "um efeito tardio, mas eficaz": "As
multas são mais caras e a fiscalização torna-se mais
eficiente." Outro dos efeitos positivos, acrescenta,
é a resolução de muitos pontos negros.
Manuel João Ramos reconhece que a descida da
sinistralidade é um mistério e que chegou a estas
conclusões por exclusão de partes, já que, constata,
os assuntos rodoviários têm vindo a desaparecer dos
media, em particular da informação televisiva.
O PÚBLICO pediu à Direcção-geral de Viação um
comentário acerca da descida da sinistralidade, mas
não obteve resposta até ao fecho desta edição.
O número de acidentes graves em todo o mundo levou a
ONU a adoptar o Dia Mundial em Memória das Vítimas
das Estradas, marcado para o terceiro domingo de
Novembro de cada ano. Em Portugal, a data vai
assinalar-se em três cidades (Lisboa, Évora e Vila
Real)